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BOND GIRL
Anna, em fotografia postada no Facebook

Uma bela ruiva de olhos verdes, que se apresentava como Anna Chapman nos circuitos mais sofisticados de Manhattan, em Nova York, acaba de trazer ao mundo globalizado o clima da Guerra Fria, a disputa estratégica travada entre americanos e russos entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991). Com 28 anos e perfis espalhados pelas redes de relacionamento na internet, Anna surge como versão contemporânea de Anya Amasova, a espiã russa que se envolve com James Bond no filme “O Espião que Me Amava”. Ela está entre as dez pessoas presas nos Estados Unidos na semana passada por supostamente integrar uma rede infiltrada em território americano com a missão de obter informações privilegiadas para a Rússia. O 11º integrante da rede, que se identificava como Christopher Metsos, um canadense de 54 anos, foi detido na ilha de Chipre, de onde planejava embarcar num voo para Budapeste, na Hungria. Pagou fiança de 20 mil euros, ficou de se apresentar à polícia no dia seguinte, a quarta-feira 30, e desapareceu do mapa, como nos melhores filmes de espionagem.

Depois de sete anos de monitoramento do grupo, os serviços de contraespionagem dos Estados Unidos revelaram que ambos os lados adotaram recursos similares aos exibidos nas telas dos cinemas. Escutas foram instaladas nas casas dos suspeitos, que eram seguidos e fotografados inclusive em países estrangeiros. Telefonemas e e-mails também ficaram sob acompanhamento de agentes americanos. Os supostos espiões, por sua vez, enviavam mensagens com tinta invisível, passavam recados codificados por rádio e chegaram até a trocar maletas idênticas – laranjas – numa estação de trem. Na região de Arlington, vizinha à capital Washington, um dos integrantes do grupo repassou dinheiro para outro colocando um envelope com as cédulas num jornal dobrado dentro de uma lixeira. Pelo relatório do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, não faltou nem a cena clássica de troca de informações entre um espião a serviço de Moscou e um agente disfarçado do FBI, a polícia federal americana, a poucos metros da Casa Branca.

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Quatro dias antes de os carrões negros do FBI cercarem as casas dos suspeitos em diversos pontos do país, o presidente Barack Obama havia comemorado o excelente momento das relações entre os Estados Unidos e a Rússia. Em vez de oferecer um almoço formal ao colega Dmitri Medvedev, Obama levou o presidente russo para comer justamente em Arlington, no Ray’s Hell Burger, um restaurante especializado em hambúrgueres de alta qualidade. Exibido nos jornais e nas redes de tevê, o flagrante de distensão entre potências antes adversárias ajudou a aumentar a surpresa da comunidade internacional diante da reedição de episódios da Guerra Fria. Surpresa maior tiveram os vizinhos dos acusados. A maioria deles vivia com a família em confortáveis casas de subúrbio, trabalhava regularmente, acompanhava os filhos até o ônibus escolar e cuidava do jardim. Na cidade de Montclair, a apenas 19 quilômetros de Nova York, vizinhos chegaram a oferecer apoio às duas filhas adolescentes de Cynthia e Richard Murphy, assim que o casal saiu algemado pelos homens do FBI.

No meio da operação, uma adolescente de Montclair, Joelle Capone, correu para a rede de relacionamento Facebook: “Meus vizinhos acabam de ser presos por espionarem para a Rússia”, registrou Joelle. “Eu vou ficar famosa.” Quem virou celebridade mesmo foi a russa Anna Chapman, cujas fotografias postadas no Facebook correram mundo, assim como a forma como definiu sua relação com o trabalho. “Adoro compor equipes apaixonadas para trazer valor para o mercado”, escreveu no Linkedln Anna, que seria dona de uma agência imobiliária. Entre os presos por envolvimento com a rede de espionagem está uma respeitada jornalista peruana, Vicky Peláez, 55 anos, colunista do “La Prensa”, um jornal nova-iorquino de língua espanhola. O marido de Vicky, o uruguaio conhecido como Juan Lazaro, foi inclusive fotografado recebendo dinheiro em uma praça de um país sul-americano. Na quinta-feira 1º, ele confessou a promotores federais que trabalhava para o “serviço”, uma referência ao SVR, o órgão de inteligência de Moscou.

Outro acusado, que se apresentava como o canadense Donald Heathfield, foi há dez anos colega de classe do presidente do México, Felipe Calderón, em um curso de mestrado na Universidade de Harvard. Todos eles se encontram agora à disposição da Justiça americana, que não os acusa de espionagem, mas de não se registrarem como agentes de governo estrangeiro nos Estados Unidos. Com exceção de Anna e de Mikhail Semenko, preso em Arlington, os outros também responderão pelo crime de lavagem de dinheiro. Nos tempos da Guerra Fria, suspeitas similares provocavam conflitos e rompimento das relações diplomáticas entre os dois países. Desta vez, embora o governo russo tenha negado qualquer envolvimento com os possíveis agentes, a maior preocupação das potências é evitar crises.