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“MULHER E CAVALHEIRO DE PRETO”,
de Rembrandt, fazia parte das 13 obras roubadas do Museu Gardner. Valor total: US$ 300 milhões

Um rapaz se apresenta a um museu como estudante de pintura e tem autorização para fazer uma cópia de uma marinha de Claude Monet, um dos highlights em exposição. Ele sempre chega pela manhã e sai algumas horas depois, cansado do seu trabalho. Passados alguns dias, ao terminar a cópia o rapaz aproveita-se do descuido do segurança e tira da moldura o Monet original, colocando no lugar a sua pintura. Sai assobiando pela porta, com uma obra-prima de alguns milhões de dólares nos braços. Esse roubo aconteceu de fato e se deu no Museu Poznan, na Polônia. A tela era “A Praia de Pourville” e media mais de um metro de largura. Do outro lado da Europa, em Piacenza, na Itália, outro furto inacreditável aconteceu na Galeria Ricci Oddi: como se participasse de uma quermesse, um homem jogou do telhado da reserva técnica do estabelecimento uma grossa linha de pescar tendo na ponta um enorme anzol. Com sua boa pontaria, ele fisgou um Gustav Klimt raríssimo, o “Retrato de Mulher”, de 1910. Os funcionários do local levaram quatro dias para se dar conta da ausência da bela dama, que nunca mais foi vista. Assim como o seu ladrão. Esses e mais uma centena de roubos que fizeram história são descritos no livro “Le Musée Invisible” (O Museu Invisível), do jornalista Nathaniel Herzberg, lançado na França. Como envolvem pinturas, esculturas e objetos que sumiram e nunca mais foram recuperados, o volume traz belas reproduções dos trabalhos para que o leitor tenha uma ideia do grau em que a humanidade foi lesada.

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“NATIVIDADE COM SÃO FRANCISCO E SÃO LOURENÇO”,
de Caravaggio, roubada em 1969. Valor: US$ 28 milhões

Repórter do jornal francês “Le Monde”, Herzberg passou um ano pesquisando todos os grandes assaltos a museus, galerias e casas de leilão e escolheu apenas 120 obras que fariam brilhar o tal “museu invisível”, uma coleção de telas de Pablo Picasso, Rembrandt Van Rijn, Paul Cézanne e Henri Matisse que provocaria filas em qualquer exposição. Para reconstituir os furtos, ele não entrevistou apenas os diretores das instituições lesadas, consultou também as polícias dos diferentes países envolvidos na caça aos bandidos. Do alto de sua minuciosa enquete, ele não tem dúvida ao escolher o mais acachapante roubo de todos os tempos: o do Museu Gardner, de Boston, nos EUA, acontecido há 20 anos, na madrugada do dia 18 de março, feriado de São Patrício. Naquela noite fria, dois homens vestidos de policiais bateram na porta do palácio de estilo veneziano: precisavam checar um barulho suspeito vindo do seu corredor. Ao entrar no estabelecimento, renderam os dois seguranças e os levaram para o subsolo com os olhos vendados. Dirigiram-se, então, para a cobiçada sala de pinturas holandesas, no primeiro andar. Era 1h24. Passados exatamente 1h21, o desfalque foi assombroso: um conjunto de 13 telas e objetos avaliados em US$ 300 milhões, do qual se destacam “Tempestade sobre o Mar da Galileia”, única marinha de Rembrandt, e “O Concerto”, de Johannes Veermer (ele só pintou 36 quadros). “Pelo valor das obras, esse foi o roubo mais fantástico que se conhece. E também o mais misterioso. Todas as pistas foram examinadas e não se chegou a conclusão alguma. Além disso, por que os bandidos pegariam uma cerâmica chinesa e um pedaço de bandeira sem valor?”, questiona Herzberg. O único sinal que os ladrões deixaram foi a frase de despedida: daremos notícia. Até hoje o FBI e a Interpol estão esperando esse contato. Desconfia-se de que os criminosos foram mortos.

O roubo do Museu Gardner foi emblemático porque reuniu pelo menos três modos de operar dos bandidos. O disfarce (no caso, de policiais, artimanha repetida no assalto que levou todo o carregamento de telas do pintor argentino Antonio Berni, em 2008, em Buenos Aires), a escolha de um feriado e o pedido de resgate. “Quanto mais valiosa, menos a obra interessa no mercado negro. Nenhum marchand sério, nem mesmo um vendedor de mercado de pulgas, vai querer um Matisse ou Warhol sem certificado de autenticidade ou comprovante de compra”, diz Herzberg.

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“SIBYLLE DE CLEVES”,
de Cranach, surrupiada com 230 obras por Breitwieser. Valor: US$ 7,5 milhões
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“RETRATO DE MULHER”, de Klimt,
roubada em 1997 em Piacenza, na Itália. O ladrão usou linha e anzol
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"A DANÇA",
de Picasso, uma das 642 obras roubadas do autor. Essa era do Museu da Chácara do Céu

A polícia suspeita que a oferta de recompensa por parte dos museus não passa de uma forma velada de se pagar esse ­resgate. A Tate Gallery, de Londres, não confirma, mas teria oferecido 2,5 milhões de libras para reaver os dois William Turner roubados em 1994 durante um empréstimo a um museu de Frankfurt. Como colecionadores ou instituições se recusariam a desembolsar essas quantias, na visão da Interpol o desaparecimento das peças torna-se inevitável – e é aí que nasce o “museu invisível” imaginado por Herzberg. O mais comum é o bandido dar um fim na obra para não ser pego pela polícia. Isso aconteceu com uma tela de Salvador Dali e com outra de Georges Seurat, queimada na cozinha do ladrão. Fim parecido tiveram as 230 pinturas e antiguidades surrupiadas pelo “ladrão obsessivo” Stéphane Breitwieser de 1994 a 2001. Ao ser preso, sua mãe atirou todo o acervo no Canal Reno-Rhône, na França.
No conjunto, havia telas de Pieter Brueghel e Lucas Cranach. Eis uma prova irrefutável do amor materno.

“Grupos terroristas financiam suas ações com obras de arte”
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IstoÉ – Como o sr. classificaria os ladrões de obras de arte?
Nathaniel Herzberg – Existem aqueles especializados em pilhar castelos, os gângsteres que se aventuram no negócio, como o irlandês Martin Cahill, os apaixonados por arte, caso de Stéphane Breitwieser, e os ladrões de ocasião, a exemplo da dupla que surrupiou os dois Van Gogh do Museu Van Gogh.

IstoÉ – Se as obras são impossíveis de ser vendidas, para onde vão?
Herzberg – Elas podem ter sido encomendadas por um colecionador particular, podem ser usadas para chantagear o museu e servem até como pagamento entre bandidos. Grupos terroristas como o IRA e o ETA usam do tráfico de arte para financiar suas ações. Em um caso mais específico, de um grupo criminoso que negocia com o Estado, funciona como moeda de troca para pedir o fim de perseguições ou melhores condições de prisão para quem está cumprindo pena.

IstoÉ – Qual a sua opinião sobre o recente roubo do Museu de Arte Moderna de Paris?
Herzberg – Foi muito bem ­organizado e contou com uma cumplicidade interna, pois os ladrões conheciam todas as falhas do sistema de segurança.

IstoÉ – Os roubos high tech de Hollywood existem na vida real?
Herzberg – Sim, mas isso levou um tempo para acontecer. Quando Naaman Diller roubou os relógios do Museu de Jerusalém, ele usou um material perfeito para seguir o percurso dos guardas em sua ronda.

Obras roubadas