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COMEÇO
Pedro de Souza, da periferia de São Paulo, aprendeu a ler sozinho aos 4 anos

A paraibana Gildete Abreu de Souza Alves, 58 anos, moradora do bairro Jardim Conquista, na periferia de São Paulo, vendia cosméticos, em 2005, para reforçar o orçamento familiar de R$ 800, salário do marido metalúrgico. Certo dia, ela se surpreendeu com o neto Pedro, então com 4 anos, lendo algumas palavras do catálogo da Avon. Abandonado pela mãe quando era apenas um bebê, Pedro nunca tinha frequentado jardim de infância ou creche. “Levei o menino ao médico porque pensei que estava doente. Nasci no Nordeste e lá uma criança que faz isso é chamada de doida”, conta, com simplicidade, a avó dedicada, que sentiu muito alívio ao descobrir que, em vez de doente, o neto era uma criança com alta habilidade – ou superdotada. Não importa quanto ela seja pobre e as carências que tenha. O superdotado desenvolve sua inteligência em qualquer situação. O pequeno Pedro comprova a tese.

Hoje, com 9 anos, ele é uma das crianças atendidas por uma das ONGs brasileiras especializadas em ajudar a expansão desses pequenos gênios carentes. Pedro continua frequentando a escola municipal perto de casa, mas é no turno da manhã, na Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (Apahsd), sem fins lucrativos e bancada pela iniciativa privada, que ele está aprendendo a desenvolver o seu enorme potencial para atividades acadêmicas. “Encontrar uma criança superdotada é tão importante quanto descobrir um poço de petróleo ou uma mina de diamante”, afirma a professora Clara Sodré, doutora em educação especial pela Columbia University, de Nova York, e diretora do Instituto Lecca, do Rio de Janeiro. O Lecca prepara alunos carentes superdotados para os concorridos concursos de escolas públicas de excelência, como o Pedro II e o Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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TESTE
Joyce de Oliveira e André dos Santos: aprovados em escola pública de excelência

O instituto testa, todos os anos, em torno de três mil crianças para selecionar apenas as 24 (número de vagas de que dispõe) com maior potencial. “Vivemos de patrocínio, não temos como atender todo mundo” lamenta Clara. Os resultados obtidos com os que passam pelo funil são ótimos: 90% dos alunos que prestaram prova para o Colégio Pedro II foram aprovados. “O 1º, o 2º e o 3º lugares foram nossos”, orgulha-se. São jovens como Joyce Rodrigues de Oliveira, terceira colocada no concurso, e André Pedro Silva dos Santos, maior nota de matemática, ambos com 12 anos. Joyce mora com os pais e dois irmãos no Engenho da Rainha, bairro da zona norte carioca que é dominado por traficantes. O salário de técnico de manutenção do pai, inferior a R$ 1.000, não era suficiente para proporcionar atividades de reforço escolar à filha, que se sentia “agoniada” com o que lhe era oferecido na escola pública. “Era muito fraquinha. O professor faltava muito”, lembra a menina, que sonha em ser arquiteta. André, por sua vez, cujo pai, já falecido, era porteiro, mora com a mãe e o irmão no Centro do Rio, e todos vivem da pensão que não chega a dois salários mínimos. “Sempre que iam ensinar, eu já sabia a matéria”, recorda André, que graças ao complemento acadêmico recebido conseguiu desenvolver seu potencial. “Quanto mais aprendo, mais eu gosto. Matemática é muito divertido”, diz ele.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre 3% e 5% da população brasileira seja superdotada. Ou seja, eles estão em todas as salas de aula e classes sociais, independentemente de cor e raça. Mas as crianças carentes perdem, por desigualdade de condições, a oportunidade de desenvolver suas potencialidades. “Estamos desperdiçando gerações e gerações por falta de cuidados, como um olhar mais criterioso do professor”, reclama Erondina Miguel Vieira, presidente da Associação Brasileira para Altas Habilidades/Superdotação do Espírito Santo. Em convênio com a Prefeitura de Vitória, ela cuida de 375 jovens de escolas capixabas com essas características e ainda mantém sob observação mais de 600.

Pela lei, crianças superdotadas têm direito à educação especial. Mas, todos sabemos, nem sempre a lei é cumprida. O Ministério da Educação instituiu em 2005 um Núcleo de Atividades de Altas Habilidades (Naahs) em cada uma das 26 capitais e no Distrito Federal, justamente para oferecer orientações e suporte aos sistemas de ensino com relação às práticas pedagógicas direcionadas a esses alunos excepcionais. Com exceção do Espírito Santo, Distrito Federal e de Mato Grosso do Sul, porém, o programa se restringe ao treinamento de profissionais para a identificação dos talentos. “Registramos, no ano passado, no censo escolar, 5.637 alunos da educação básica, tidos como muito habilidosos. A grande maioria em escola pública”, afirma a diretora de Políticas da Educação Especial do MEC, Martinha Clarete.

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EM GRUPO
Alunos do Instituto Roberto Seinberg, que atende, no Rio,
superdotados: oportunidade para desenvolver habilidades

Outro lado da questão refere-se à forma como o superdotado é visto na sociedade. Embora seja uma pessoa absolutamente normal, apenas com habilidades acima da média, a criança chega a ser considerada esquisita e pode ser discriminada pelos colegas e até por mestres. No entanto, o apoio psicológico ainda não está no pacote de ajuda às crianças pobres. “O aluno que se destaca demais é xingado por fazer muitas perguntas e há casos de professores que o mandam calar a boca porque está atrapalhando a aula”, diz a professora Suzana Graciela Pérez, que preside o Conselho Brasileiro de Superdotação (Combras). Gabriel Santana, 16 anos, filho de pai barbeiro e mãe costureira, aprendeu a ler sozinho aos 2 anos e passou a se sentir “um peixe fora d’água”. Ele teve a sorte de ser selecionado para o instituto carioca Rogério Steinberg (IRS) e depois conseguiu uma vaga no renomado Instituto de Tecnologia Ort, instituição judaica tida como uma das maiores ONGs de ensino e treinamento tecnológico do mundo. Porém, apesar de tudo o que se faz, a jornada é muito longa. Como lembra a gestora administrativa da Apahsd, Gabriela Vanini Toscanini: “Marcola (líder da facção criminosa PCC) e Fernandinho Beira-Mar (maior traficante de drogas do Brasil) são exemplos de pessoas que não foram percebidas de maneira adequada e usaram toda a sua inteligência e capacidade de liderança para o crime”. É preciso atenção para não desperdiçar o futuro de milhares de crianças brasileiras.

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