chamada.jpg
PRAZERES DA CARNE
Julie Powell encarou seu estágio num açougue como uma terapia

Depois do livro “Julie & Julia”, que virou filme com Meryl Streep no elenco, a escritora americana Julie Powell volta a explorar em sua mais recente obra a mesma fórmula que a tirou do completo anonimato e a alçou à fama internacional: a exposição de sua vida pessoal. Para quem não se lembra, antes de ir para as telas do cinema, o projeto Julie/Julia era um blog, no qual Julie Powell, até então uma entediada secretária apaixonada pelo marido, postava as suas agruras com as caçarolas ao cozinhar 524 receitas do livro “Dominando a Arte da Cozinha Francesa”, de Julia Child, em 365 dias. De quebra, ela falava de sua relação com o marido, Eric, a ponto de ele, certa vez, proibi-la de postar sobre uma briga que tiveram. Em seu segundo livro, “Destrinchando – uma História de Casamento, Carne e Obsessão”, que chega às livrarias brasileiras nesta semana pela editora Record, Julie relata a experiência como açougueira, seu novo desafio na seara gastronômica. Ao mesmo tempo, divide com o leitor os sentimentos conflituosos em relação ao casamento com Eric e o caso extraconjugal com “D.”, como ela se refere na obra.

Em “Destrinchando”, a autora revela ainda mais sua intimidade do que no livro anterior. Ela conta que os encontros com D. começaram depois de um telefonema dele, na época em que finalizava o livro “Julie & Julia”, e que duraram dois intensos e apaixonados anos. Também revela que Eric descobriu seu caso. Mas que nem por isso se separaram. Julie e D. se comunicavam por SMS e não era raro ela se trancar no banheiro do apartamento que dividia com o marido para responder às mensagens instantâneas. “A mesma tecnologia que Eric e eu usamos para discutir listas de compras, transmitiam murmúrios obscenos, desejos chorosos e suspiros pós-sexo entre D. e mim.” A obra traz trechos que deixam explícito o sofrimento do marido, que, em determinada altura, começa a traí-la também. Ao mesmo tempo que corta carnes, como numa terapia, ela divaga sobre a relação – e a mulher que é – com cada um. “A Julie que sou com ele (Eric) é inconstante, forte demais e fraca demais, alguém protegida e temida, controladora e dependente. A Julie que D. conhece é um pouco diferente. Uma cúmplice; uma companheira de brincadeiras, travessa, sexy e intensamente amoral.”

Mas o que move alguém a se expor de tal maneira? Julie Powell responde por si. “Eu escrevi ‘Destrinchando’ para entender por que tive um caso”, disse, de maneira econômica, em entrevista recente. Na opinião do professor de Comunicação e Hipermídia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Eric Messa, a autoexposição é sinal dos tempos. “O limite entre privado e público mudou com o surgimento dos reality shows, blogs e redes sociais”, afirma. Estudioso do assunto, o consultor em mídias sociais Alexandre Inagaki atribui o fenômeno ao desejo das pessoas de se destacar na multidão. “Com as mídias digitais, em tese, qualquer um pode ter seus 15 minutos de fama”, diz. Graças a seu talento Julie, no entanto, conseguiu romper a barreira de tempo estabelecida por Andy Warhol.

img.jpg