Na quarta-feira 1º, o deputado Delfim Netto (PP-SP) publicou um artigo no qual rebate o argumento da equipe econômica de que a valorização do real em relação ao dólar seria reflexo de um fenômeno mundial com influência menor sobre a economia brasileira. E advertiu: a agricultura, carro-chefe da recuperação econômica, pode sofrer. Em entrevista na última edição de ISTOÉ, Delfim repetiu sua preocupação. Disse mais: “Este câmbio sustenta as exportações presentes, mas não atrai mais gente para o setor exportador.” Na segunda-feira 6, o Banco Central não teve dúvida: entrou no mercado comprando dólares e elevando a cotação da moeda em relação ao Real. De fato, o ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento no regime militar, cujas opiniões sempre foram referência para dez entre dez economistas, é hoje um dos principais interlocutores do governo em assuntos econômicos.

Delfim Netto é convidado para conversas rotineiras com o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e com o próprio presidente Lula. O câmbio foi um dos temas mais recentes. Integrante da elite parlamentar, sua opinião é balizadora para os demais deputados. Se Delfim é favorável a um projeto do governo, fica tudo mais fácil. Quando julga adequado, o deputado também ajuda a apagar incêndios. Em maio deste ano, por exemplo, o ex-ministro, que cumpre seu quinto mandato, botou ponto final em uma encenação em torno da medida provisória que fixou o salário mínimo em R$ 260. Mesmo sem quórum, parlamentares da oposição instalaram uma comissão especial para debater o tema e passaram a usá-la como palco para atacar o governo. A pedido do líder na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), Delfim se apresentou em uma das sessões. Como deputado mais velho presente, assumiu a presidência e encerrou a comissão imediatamente. Exterminado o palanque, o ex-ministro recolocou o projeto na tramitação de praxe, remetendo-o para debate na Câmara.

Contam-se nos dedos os economistas que ostentam biografias capazes de rivalizar com a de Antônio Delfim Netto. Como homem forte da economia nos governos de Costa e Silva e Médici (1967-1974), Delfim operou o chamado “milagre econômico”, quando o PIB registrou as maiores taxas de crescimento de 9% em média (14,4% em 1973). Depois viveu um “exílio” como embaixador em Paris. No governo Figueiredo sucedeu o respeitado Mario Henrique Simonsen na administração de um desastre anunciado. Ocupando a pasta do Planejamento (1979 a 1985), depois de uma curta passagem pela Agricultura, foi o responsável pela gestão econômica durante uma das maiores crises econômicas do planeta, quando a revolução islâmica no Irã arremessou os preços do petróleo às alturas e o governo americano elevou suas taxas de juros, levando as economias periféricas endividadas à bancarrota. O País enfrentou taxas de inflação crescentes e três anos de recessão. Coube a Delfim, logo que assumiu o posto, recorrer ao socorro do FMI. Foram sete cartas de intenções que consumiram incontáveis horas de dura negociação com o Fundo. Em uma discussão que avançou noite adentro – conta o amigo e ex-colaborador José Augusto Savasini – as negociações chegaram a um impasse: o Fundo tentava impor metas inatingíveis. “No dia seguinte, eu estava derrotado, mas Delfim parecia inabalável. Ele me disse: ‘A corda está esticada, mas não interessa a nenhum dos dois lados que ela se arrebente. Vamos chegar a um acordo,’ Foi o que aconteceu, dias depois.”

A objetividade e a capacidade de tomar decisões rápidas tornam Delfim um administrador incomparável. O deputado Francisco Dornelles (PP-RJ), também  ex-ministro e amigo há três décadas, lembra que conheceu o então ministro  em 1970, quando era professor da Fundação Getúlio Vargas e especialista  em tributação internacional. Foi convocado ao gabinete de Delfim para opinar sobre um acordo tributário com Portugal. “Quanto tempo eu tenho?”, perguntou Dornelles. “Quinze minutos”, respondeu o czar da economia. Depois de  examinar os aspectos principais, Dornelles condenou o acordo. “Não precisa dizer os motivos”, disse Delfim pegando o telefone para repassar a posição da Fazenda ao colega das Relações Exteriores: “O nosso especialista opinou contra.” Em 1972, já integrado à equipe, Dornelles procurou o chefe para relatar obstáculos em uma negociação de um acordo com o governo alemão. “Você faz o que achar que deve. Se der certo, te promovo. Se der errado, te demito”, disparou. Dornelles endureceu e os alemães foram reclamar com Delfim, que chamou o assessor na sala. “Sobre esse assunto, quem fala é o Dornelles. Conversem com ele”, disse e saiu. Os alemães cederam. “Claro que estava tudo combinado”, ri Dornelles. Também foi combinada uma reunião na qual Delfim convocou os dez maiores banqueiros do País para reclamar dos juros cobrados nos descontos de duplicatas, na casa dos 1,6% ao mês. “Com que taxa o BB é capaz de trabalhar?”, perguntou Delfim ao então presidente do Banco do Brasil, Nestor Jost. “Acho que 1,4%.” Os banqueiros saíram em silêncio, mas, semanas depois, as taxas privadas convergiam para o patamar do concorrente estatal.

Delfim, que também é professor catedrático da Faculdade de Administração e Economia da USP, é impiedoso ao se referir aos colegas que se apegam a fórmulas matemáticas e esquecem a análise histórica dos fatos econômicos. Por exemplo, a atual diretoria do Banco Central. “Consideram-se portadores de uma verdadeira ciência”, ironiza. A sua rotina espartana – acorda às cinco da manhã, toma café às seis, às sete já está no escritório, em São Paulo, ou no gabinete, em Brasília, e encerra o trabalho às 23h – inclui no mínimo duas horas diárias de estudo. Além das leituras sobre problemas econômicos, história e filosofia, Delfim é um amante da matemática. Embora os despreze quando dissociados do olhar histórico, o ex-ministro faz questão de dominar os modelos econométricos, inclusive os adotados pelo BC. “Míope”, acusa ele. Já ao governo Lula, Delfim dedica elogios. Em especial, ao presidente Lula: “Inteligentíssimo.” Incansável fuçador de sebos, Delfim Netto, 76 anos, é dono de uma impressionante biblioteca que tem em sua casa, em Cotia, na Grande São Paulo. O acervo reúne mais de 100 mil itens e é capaz de competir com o da Faculdade de Economia da USP.