Embaixador britânico afirma queo Reino Unido apóia o Brasil noConselho de Segurança da ONU e écontra os subsídios agrícolas europeus

Ele é formado em matemática e física pela prestigiosa Universidade de Cambridge e ainda fez pós-doutorado no renomado Max Planck Institute em teoria do campo quântico. Mas nem por isso é um homem sisudo. Ao contrário, o britânico Peter Collecott preserva o ótimo humor inglês. E tem a clareza de que na vida é sempre tempo de realizar mudanças. Aos 26 anos, acreditando estar velho demais para enterrar-se na ciência, resolveu dar uma guinada em seus planos, apostando na carreira diplomática. Em 1977, um ano depois de tomada a decisão, ingressava no Ministério das Relações Exteriores britânico. Há seis meses no Brasil como embaixador do Reino Unido, ele demonstra que, além de um diplomata a serviço de sua majestade, a rainha Elizabeth II, é uma pessoa preocupada não apenas com negociações políticas e econômicas. Em seu primeiro mês no País, Collecott, 54 anos, acompanhou, em dois finais de semana, o trabalho de Organizações Não-Governamentais em Salvador (BA), e em Belo Horizonte (MG), que atuam, respectivamente, com meninos de rua e com catadores de lixo, também moradores de rua. “Amigos me convidaram para conhecer uma outra realidade. E eu fui. Foi uma experiência marcante”, afirma. O embaixador é casado com a australiana Judith Pead, que ele conheceu em 1977, em seu primeiro posto diplomático no Sudão, onde ela era diplomata da Austrália. Depois de ter passado pelo Sudão, Austrália, Indonésia e Alemanha, o diplomata escolheu o Brasil para ser sua próxima morada. Confiante nas negociações entre o Mercosul e a Comunidade Européia, ele aposta que sai um acordo de livre comércio entre os dois blocos em curto prazo e ainda acredita que o Brasil irá assumir um papel de destaque no mundo. Collecott credita a liderança brasileira na América Latina ao carisma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E garante que o Reino Unido apóia oficialmente o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O embaixador também vê com muito bons olhos a criação do G-20, bloco formado por países emergentes liderados pelo Brasil, pela África do Sul e pela Índia, nações com as quais os britânicos têm antigas relações políticas, econômicas e comerciais. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva do embaixador britânico a ISTOÉ.

ISTOÉ – O Mercosul e a Comunidade Européia estiveram muito próximos de um amplo acordo de livre comércio. Mas os prazos estouraram e a tarefa passou para o novo time de comissários, no qual o responsável pelo Comércio é o britânico Peter Mandelson, amigo e colaborador antigo do primeiro-ministro Tony Blair. O Brasil pode esperar por uma rápida retomada das negociações com Mandelson?
Peter Collecott

O importante não é que Peter Mandelson seja um amigo de Tony Blair. Agora, ele exerce funções da política européia, e não britânica. O mais importante é que Mandelson é um homem que defende a liberação do sistema internacional de comércio. Ele tem interesse em uma integração nos campos econômico e político. Dentro desse aspecto, será favorável a um acordo com o Mercosul. É um internacionalista que considera ser positivo para todos o sistema internacional de comércio livre. Além disso, Mandelson é um defensor da integração com o Brasil e o Mercosul.

ISTOÉ – Houve uma guinada à esquerda na América Latina com as eleições de presidentes como o chileno Ricardo Lagos, o brasileiro Lula, o argentino Néstor Kirchner, o venezuelano Hugo Chávez e por último o uruguaio Tabaré Vasquez. Isso ajuda ou atrapalha na busca pelo livre comércio?
Peter Collecott

A esquerda de hoje na América Latina não é a mesma dos anos 70. A atual acredita que o livre comércio é muito importante e o crescimento desse comércio dentro da América Latina, fundamental. Essa esquerda aceita a economia de mercado, embora mantenha sua visão sobre o conceito do nacionalismo. É uma esquerda mais pragmática, que quer aproveitar os benefícios da economia de mercado, mas ao mesmo tempo preservar as conquistas sociais e as suas bandeiras tradicionais.

ISTOÉ – Logo após sua chegada ao Brasil, o sr. conheceu projetos sociais em Salvador e em Belo Horizonte, voltados para meninos de rua e sem-teto. Os benefícios da economia de mercado poderiam ser canalizados para essas parcelas da sociedade hoje excluídas?
Peter Collecott

O importante é se conseguir um equilíbrio entre políticas de longo prazo, que se beneficiariam do sucesso da abertura dos mercados, do livre comércio, e de políticas de curto prazo, como programas sociais, que atacariam problemas imediatos. Penso que o Brasil está buscando fazer isso.

ISTOÉ – É importante para a América Latina que haja um país líder?
Peter Collecott

Eu acho natural que um país com as dimensões do Brasil, com seu peso econômico, seja líder na América Latina. Talvez seja difícil os outros aceitarem. Mas o papel do presidente Lula nesse quadro é muito importante para que essa liderança venha a ser aceita. Sua credibilidade como líder de esquerda e sua história pessoal contribuem muito para isso. Acrescenta-se a isso a política externa do presidente Lula que é moderada e tem sido aceita pelos demais países e pelos organismos internacionais. Ela é um fator importante para estabilizar a situação externa do Brasil.

ISTOÉ – Então o sr. acha que o Brasil está no caminho certo em sua política externa?
Peter Collecott

Creio que sim. O Brasil não é apenas importante em termos de América Latina, que economicamente representa um mercado interno natural. O País tem horizontes mais amplos. Acho que o Brasil é um dos quatro, cinco países emergentes mais importantes do mundo. E, portanto, terá um papel de protagonista global. O Brasil vai contribuir muito com idéias e soluções para muitos problemas do mundo e, certamente, não será um protagonista com idéias negativas. Por exemplo, foi um choque para todos quando na reunião de Cancún, no México, o governo brasileiro articulou com outros países emergentes produtores de alimentos o Grupo dos 20 para se articularem juntos perante a OMC. Mas esse choque acabou se mostrando positivo para o sistema internacional de negociações sobre o comércio. O Grupo dos 20 pode e poderá trazer boas mudanças no futuro das negociações da OMC. Esse grupo se mantém não apenas como interlocutor na OMC, mas como um fórum onde os países emergentes e em desenvolvimento podem debater seus problemas, projetos e articular uma posição comum. Essa é a grande novidade na política externa internacional. E destaco especialmente o G-3, formado por Brasil, África do Sul e Índia. Essas nações têm o potencial de não apenas compor uma forte aliança comercial, mas de ser um grupo político extremamente significativo.

ISTOÉ – Como o governo britânico vê o fato de o grupo dos G-20 ser contra os subsídios agrícolas europeus?
Peter Collecott

Em primeiro lugar, a Grã-Bretanha também é contra os subsídios agrícolas. Nesse aspecto, o governo britânico alinha-se às demandas do G-20 e, portanto, aceita suas posições. No caso do G-3, as conversações foram ainda mais fáceis porque já temos uma longa tradição de relações políticas e comerciais com seus integrantes. Acredito que o campo para parcerias concretas no futuro é muito grande. No caso do Brasil, temos todo o interesse em ampliar a cooperação em todos os níveis, pois achamos que isso será importante para o mundo inteiro. É por isso que apoiamos totalmente a candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

ISTOÉ – É uma posição de governo?
Peter Collecott

Sim, ela faz parte da integração progressiva do Brasil nas estruturas de comandos mundiais, como o Grupo dos Oito, por exemplo. A presença do Brasil, em termos econômicos, já é uma realidade. A ida para o Conselho de Segurança consolidará a presença política. Nesse aspecto, apoiamos a decisão do Brasil de atuar em conjunto com a Índia, a Alemanha e o Japão na disputa pelos novos lugares no Conselho de Segurança.

ISTOÉ – O sr. acredita que a criação do G-3 e mais tarde do G-20 é uma nova maneira de se fazer política internacional?
Peter Collecott

Nós apoiamos todas as iniciativas que representam uma mudança suave, mas de extrema consistência e relevância. Especialmente no que se refere à integração entre Brasil, Índia e África do Sul. Existem todas as condições econômicas, políticas e sociais para que se façam alianças. E nós consideramos que o G-3 não é uma ameaça, e sim um grande parceiro para a Grã-Bretanha. São lideranças regionais e com grande potencial de serem lideranças mundiais.

ISTOÉ – Voltando ao Mercosul e à América do Sul, o sr. acredita que apesar das crises entre Brasil e Argentina o futuro do bloco é englobar toda a América do Sul?
Peter Collecott

Já existe um processo de integração política, econômica e social bem mais forte do que no passado. Temos o Mercosul, a Comunidade Andina, a Comunidade da Bacia Amazônica. Tudo isso leva à integração, com o Brasil em papel de liderança, aumentando a força da região em termos mundiais.

ISTOÉ – A guerra do Iraque nunca foi popular entre os britânicos, embora o governo do premiê Tony Blair tenha se aliado na coalizão com os Estados Unidos. Como o sr. vê o fato de a opinião pública britânica ser contra uma posição governamental?
Peter Collecott

No início, a guerra foi um problema político. Mas hoje há uma consciência de que, embora a situação no Iraque não seja muito boa, poderá atingir um bom nível de democracia, com as eleições programadas para janeiro, que deverão eleger um governo capaz de unificar o país. O primeiro-ministro Tony Blair considera que começamos um trabalho e que temos que terminá-lo.

ISTOÉ – E quanto à questão da Palestina?
Peter Collecott

Nós apoiamos no passado como agora a presença dos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Quando digo apoio, isso é em todos os sentidos. Hoje temos uma possibilidade concreta de reativar o processo de paz entre israelenses e palestinos. Yasser Arafat foi um grande líder e muito importante para a Palestina e os palestinos. Mas com a chegada de um governo consagrado por eleições reforça-se a necessidade de haver negociações. O estabelecimento de estruturas democráticas e estáveis também é muito importante. É uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. O engajamento dos Estados Unidos neste processo, por exemplo, agora será facilitado com o novo governo palestino. Uma resolução para a questão palestina é fundamental para o futuro do Oriente Médio.

ISTOÉ – As relações do Ocidente com o mundo islâmico se deterioraram nos últimos anos. E as ameaças do fundamentalismo islâmico só tendem a crescer. Qual saída o sr. aponta para esses problemas?
Peter Collecott

O Iraque precisa de uma solução a curto prazo. Mas o mais difícil é encontrar uma saída para as relações entre o Ocidente e o mundo islâmico. Para isso, não vejo uma solução de curto prazo. Temos que tentar entender o que pensam os islâmicos e, principalmente, que a maior parte deles não é terrorista. Descobrir também que essa maioria não é contra os ocidentais. E decifrar o porquê da proliferação de terroristas; o porquê da existência de islâmicos que lutam contra tudo e advogam a destruição simples e pura. A luta contra o terror é importante, mas temos que entender o que causa esse tipo de ação. Há desafios sociais, econômicos e de desenvolvimento que precisam ser enfrentados.

ISTOÉ – Além dessa questão, o que mais é prioridade para a Grã-Bretanha em termos mundiais?
Peter Collecott

Nosso grande desafio, e creio que do mundo também, é a questão climática. Precisamos enxergar além do Protocolo de Kyoto. O primeiro-ministro Tony Blair definiu como suas prioridades à frente do G-8 a África e as mudanças climáticas. Em fevereiro de 2005, haverá um congresso internacional científico com o seguinte tema: “Um Mundo sem Emissões de CO2”. Ter um mundo sem carvão, sem petróleo, com energias limpas, é fundamental para o futuro de todos nós. Vamos colocar o desenvolvimento sustentável como tema central. Nesse sentido, não há como assinar um acordo sobre o clima sem a presença do Brasil, país essencial nessa temática.