A contradição é tão profunda quanto os mares. Embora quase 80% dos brasileiros vivam a menos de 200 quilômetros do litoral, o potencial marinho do País e sua defesa são temas raros nos debates nacionais. Conhecida como Amazônia Azul, a área repleta de riquezas naturais tem cerca de 3,5 milhões de quilômetros quadrados e poderá ser ampliada para 4,4 milhões de quilômetros quadrados ainda este ano. É que está para sair o parecer da Comissão de Limites das Nações Unidas, na qual o Brasil reivindica o prolongamento de sua plataforma continental, aumentando 900 mil quilômetros quadrados de solo e subsolo marinhos que o País poderá explorar.

Com ou sem a extensão, a Amazônia Azul prima pela opulência. Nela se extraem dois milhões de barris de petróleo por dia, o equivalente a 80% da produção nacional. Esse imenso território marítimo não conta, porém, com nenhuma segurança similar ao Sivam – sistema implantado para proteger a Amazônia verde. Em recente palestra, o comandante da Marinha, almirante Roberto Carvalho, disse que a maioria dos equipamentos usados para monitorar a costa está obsoleta. “Não temos como manter uma embarcação 24 horas no mar”, afirmou.

Nesse cenário desolador, uma das poucas exceções é o submarino Tikuna, lançado ao mar em março. Construído no Brasil, o Tikuna foi adaptado a partir do projeto alemão U-209, adquirido em 1983. Mais de duas décadas depois, em janeiro deste ano, a Marinha encaminhou convites a franceses e alemães para que fizessem propostas de fornecimento de tecnologia mais avançada na construção de submarinos. As respostas chegaram, mas o plano de reequipar a frota nacional está esbarrando num obstáculo difícil de ser ultrapassado: o contingenciamento de verbas. “Apenas em 2004 a equipe econômica desviou R$ 758 milhões em royalties de petróleo que deveriam ser repassados à Marinha”, diz Wagner Victer, secretário de Energia, Indústria e Petróleo do Rio de Janeiro.

Na Marinha, por sua vez, aumentam os rumores sobre os desdobramentos do projeto de modernização. A proposta francesa, o novo modelo Skorpene, esbarrou nas limitações financeiras impostas pelo governo, mas pode ser redimensionada. A oferta alemã, o modelo U-214, acabou rejeitada pelo inconveniente de possuir apenas dois motores, em vez de quatro. Os alemães então apresentaram uma versão recauchutada do U-209, o referencial do Tikuna (foto), o que não responde aos anseios de modernidade. Como se não bastasse, na Marinha começa a ganhar fôlego a perigosa idéia de comprar apenas torpedos e sonares americanos, numa tentativa de salvar do naufrágio a debilitada capacidade de operação da frota. O detalhe crucial é que, nesse caso, não haveria nenhuma transferência de tecnologia. Ao mesmo tempo, a soberania nacional poderia submergir, pela possibilidade de os mares brasileiros serem bisbilhotados por estrangeiros. Pelo ritmo da navegação, o monitoramento eficiente da Amazônia Azul é, por enquanto, quimera de náufrago.