No centro de treinamento espacial
de Houston, nos Estados Unidos, simulações são momentos de
muita adrenalina. Nelas, os
reflexos dos astronautas e da
equipe em Terra são colocados
à prova para, em segundos, tomarem a decisão que preserve vidas e, se possível, os bilhões de dólares investidos no programa espacial. Em recente simulação de aterrissagem, a comandante Eileen Collins demonstrou tranqüilidade ímpar. O altímetro da nave marcava um desembarque a 1.219 metros abaixo do nível do mar, o que significava desastre fatal. Afiada, Eileen percebeu a falha do altímetro e manteve o desembarque sem pestanejar. “E olha que ele era novinho em folha”, foi seu único comentário, como se falasse da imperfeição de um taco de golfe, esporte que pratica nas horas de lazer. Desde a terça-feira 26, quando o lançamento do Discovery revelou uma sucessão de falhas, Eileen, sua tripulação e pelo menos 200 especialistas baseados em Houston concentram toda a sua atenção para garantir o retorno para casa.

A missão comandada por Eileen é o primeiro vôo de um ônibus espacial depois da desintegração do Columbia e da morte de seus sete tripulantes, em 1º de fevereiro de 2003, durante o regresso à Terra. Dias antes, logo após a decolagem, um pedaço de material isolante se desprendeu do tanque de combustível, atingindo a borda de uma das asas da nave. Na volta da missão, quando o Columbia reentrava na atmosfera terrestre, gases de altíssimas temperaturas entraram na asa, provocando a tragédia. De lá para cá, os pesquisadores da Nasa se concentraram em encontrar mecanismos para diminuir a quantidade de material isolante desprendido em operações de lançamento. Estavam confiantes no resultado até constatarem, na semana passada, que a quantidade de material desprendido do tanque do Discovery era 80% mais do que eles haviam calculado. Isso resultou em 11 sinais de possível impacto na nave, conforme verificado em fotografias de altíssima resolução feitas durante elegante manobra em torno da Estação Espacial Internacional, dois dias após o lançamento.

“As câmeras funcionaram bem”, avisou Michael Griffin, o administrador da Nasa. “A espuma, não”, completou. Griffin se referia ao material isolante que se desprendeu do tanque de combustível e pode ter afetado a proteção da asa da nave, tornando vulnerável a resistência a temperaturas acima de 1500o centígrados ao reentrar na atmosfera. A inspeção do casco e do escudo protetor do Discovery contou com um equipamento novo, o Canadarm, braço mecânico de 15 metros de extensão, com uma sofisticada câmera de vídeo, o scanner guiado a laser Orbiter Boom Sensor System. As imagens registradas em toda a operação estão sendo analisadas, mas ainda não se chegou a um consenso sobre os possíveis danos causados ao Discovery. “Há divergências de opiniões entre os especialistas da agência espacial quanto ao fato de a nave ter sido afetada”, assumiu Wayne Hale, subdiretor do programa de ônibus espaciais. “Alguns temem que uma asa tenha sido atingida.”

Antes mesmo desses detalhes virem à tona, na quarta-feira 27, a Nasa anunciou o cancelamento, por tempo indeterminado, de novos vôos. “Até que estejamos prontos, não voaremos novamente ao espaço”, afirmou Bill Parsons, diretor do programa de vôos tripulados da Nasa. “É preciso obter uma solução definitiva para esse problema, que é muito grave.” Em órbita, Eileen e sua tripulação, que inclui especialistas no assunto, intercalam tarefas de inspeção e reparo com a agenda programada. Nela, estão três caminhadas espaciais. Como turistas em viagem de férias, eles viveram momento de grande descontração ao entrarem na Estação Espacial Internacional, onde vivem dois astronautas – o comandante Sergei Krikalev, da Rússia, e o engenheiro de vôo John Phillips, dos Estados Unidos. De Krikalev ganharam até pão e sal, uma tradição russa para a recepção de visitantes. Em Houston, a euforia com a retomada do lançamento de ônibus espaciais cedeu espaço para a apreensão quanto à volta. A Rússia se ofereceu para, se necessário, resgatar os astronautas com seus foguetes espaciais. Os americanos têm a nave Atlantis, que também poderia ser usada na missão. Mas a torcida é para que o próprio Discovery aterrisse em segurança no domingo 7 de agosto, data prevista para o retorno.


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