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Especial
Maurren Maggi
Primeira brasileira a conquistar o ouro individual em Olimpíada, a atleta do salto em distância colhe os louros da vitória com reconhecimento e dinheiro e planeja defender sua medalha nos jogos de Londres, em 2012

Por Rodrigo Cardoso

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Curioso é que Maurren ainda não assistiu à final olímpica que proporcionou a ela essa melhora financeira. Viu apenas dois minutos de gravação, que correspondem aos seus primeiro e último saltos e ao hino nacional brasileiro no pódio. “Ainda choro quando vejo essas imagens. Sinceramente, nem eu sei ainda a dimensão de tudo o que está acontecendo comigo”, diz. Maurren ganhou o ouro com um salto de 7,04 m em uma prova emocionante em que a segunda colocada perdeu o ouro para a brasileira por mísero um centímetro. De volta para o apartamento na vila olímpica, não acreditava na façanha. Dormiu com a medalha debaixo do travesseiro e, no meio da noite, acordava rindo ou chorando. “Olhava para a medalha, mordia e dizia: ‘Você é minha, não acredito!’”, conta.
Surpresa ela teve mesmo na escala que fez em Toronto, no Canadá, antes de seguir para São Paulo. Assim que subiu no avião – medalha de ouro no bolso –, teve de encarar um corredor polonês de fãs que se levantaram das poltronas para aplaudi-la. “Eu andava e a turma batia palma. Eu sentei e continuaram a bater palma. Comecei a chorar e agradeci”, lembra ela. E onde está, hoje, a inédita medalha de Maurren? “Em um cofre de banco”, conta a atleta. Uma réplica fica em sua estante, mas a original, avaliada em US$ 59 mil, ela guarda em um lugar mais seguro. Desde então, passou a programar visitas a ela no banco. “Pago contas, tiro o extrato e visito a medalha”, diz a campeã olímpica, aos risos. Maurren é uma pessoa de hábitos comuns, mas ficou mais requintada.

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“Ainda choro quando vejo (a prova de Pequim). Nem eu sei ainda a dimensão de tudo o que está acontecendo comigo”

Maurren Maggi

De seu estilista Antonio Filho, por exemplo, não consegue mais comprar os vestidos que usa. Motivo? A quantidade de modelos que ela toma emprestado para festas e eventos, hoje, é muito maior. ISTOÉ a acompanhou até o ateliê, onde escolheu duas peças. Uma, de cor marfim, feita de musseline, chifon e gazar de seda bordada em cristal foco, foi usada por ela em uma festa no principado de Mônaco.
Com o uniforme de atleta, sentada de frente para a pista do Ibirapuera, a campeã diz que em quatro anos vai se aposentar. Quer, antes, na Olimpíada de Londres, conquistar novamente o ouro. No dia da sua vitória, na China, ela lembra, sentiu muita sede antes da prova. Em vez de beber água, preferiu mastigar gelo para, assim, tentar pôr fim à ansiedade também. Um representante da competição percebeu e trouxe o balde de gelo, que ficava a 50 metros da pista, para perto dela. No dia anterior à final do salto em distância, ficou zanzando pela vila olímpica até às duas da manhã. Na seqüência, sentou-se para jogar no computador e só foi dormir às sete horas.
Quatro horas antes da competição, às 11h, Maurren já estava de pé na fila do refeitório da vila olímpica. Aguardando a vez para preparar um café da manhã, ela se abaixou para recolher do chão um papel que um senhor da delegação ucraniana havia deixado cair. Como agradecimento, ele profetizou: “Não sei em qual prova você compete, mas tenho certeza de que ganhará o ouro.” E assim aconteceu, para a felicidade geral da nação – até para Sophia, a menininha da prata.

 

Aos quatro anos de idade, Sophia caminha até a caixa de areia da pista de atletismo do Ibirapuera. Ali, ela se espelha na mãe – que treina diariamente no local – e se prepara para iniciar a corrida para um salto batendo a mão na perna. Antes, porém, pede palmas para a pequena platéia de atletas que, boquiabertos, acompanham a cena. Sophia é filha de Maurren Maggi, que foi campeã olímpica do salto em distância em Pequim, em agosto, seguindo um ritual semelhante. E tornou-se a primeira brasileira a conquistar uma medalha de ouro individual na maior competição esportiva do mundo.
A menina, que assistiu aos jogos olímpicos na casa dos avós maternos, em São Carlos (SP), tem espírito de atleta. E participação fundamental na conquista inédita da mãe. “É da minha filha que tiro forças para continuar no esporte”, diz Maurren. Sophia veio ao mundo na época mais crítica da vida profissional e pessoal da saltadora, que estava afastada das pistas depois de ter sido flagrada em um exame antidoping. Em 2003, Maurren usou, em uma sessão de depilação, uma pomada cicatrizante que continha um esteróide anabólico proibido. Nos 30 meses em que se afastou do esporte, a atleta se isolou.
Acompanhada do então marido e pai de Sophia, Antonio Pizonia, ela passou um tempo no Amazonas (cidade natal de Pizonia), em Mônaco (onde ele morava) e em São Carlos. Ouvir qualquer coisa sobre atletismo a tirava do sério. “Não conseguia treinar, só chorava”, conta Maurren, que, certa vez, pegou o carro e foi embora de São Carlos apenas porque alguém comentou com ela a possibilidade de voltar a competir. O nascimento de Sophia, que hoje põe a mãe para dormir contando histórias, foi a sua salvação. “Desde então, tudo o que planejo é pensando em dar o melhor para ela”, conta. Assim, resolveu voltar a calçar as sapatilhas. E chegou ao topo da carreira, este ano, aos 32, com um desempenho espetacular. Das 14 competições que encarou, venceu dez e ficou em segundo em três. Com a segurança de uma campeã olímpica, Maurren afirma: “Eu não tiraria o episódio do doping do meu currículo, porque, do contrário, eu não teria parado para ter a Sophia.”

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Mãe e filha dividem um apartamento em São Paulo. Mudaram-se antes da Olimpíada, mas tudo ainda está encaixotado, os móveis não foram comprados e a cozinha planejada irá chegar só no final do mês. Vida de campeã olímpica é trabalhosa. Maurren tem feito palestras, propagandas, tardes de autógrafos – em troca de cachês os quais ela não revela –, além de seguir o cronograma de treinos exigido pela dupla de técnicos Nélio e Tânia Moura.
As vantagens, no entanto, são grandes. A saltadora recebeu duas barras de ouro de um quilo cada uma da BM&FBovespa, R$ 100 mil de um patrocinador e um Mitsubishi Pajero – “o carro dos meus sonhos”, frisa ela – avaliado em R$ 200 mil. Nas ruas, o assédio a ela só não é maior do que o à filha. “Olha a menininha da prata!”, dizem os fãs. “Nessas horas, ninguém fala da atleta do ouro, só da garotinha da prata”, diverte- se Maurren. Sophia foi protagonista de uma cena hilária levada ao ar, ao vivo, na tevê, minutos depois de sua mãe ter se consagrado na China. Na ocasião, a menina se mostrou feliz, mas disse que preferia a medalha de prata.

 

Pelo ouro conquistado em Pequim, Maurren recebeu duas barras de ouro, R$ 100 mil e um carro de R$ 200 mil