Não há personagem que escape das piadinhas diárias que se multiplicam a partir dos escândalos também diários envolvendo políticos e empresários. No olho do furacão, o PT não poderia sair ileso das línguas ferinas: já foi apelidado de “Perda Total”. Com a escolha do ex-ministro da Educação Tarso Genro para dirigir o partido, outra pilhéria vem fazendo sucesso: “Colocaram um genro para tomar conta da casa da sogra.” Tão abundantes quanto as malas cheias de dinheiro que voam pelo País, as anedotas têm sempre um quê de verdade. No caso do PT, a brincadeira não poderia ser mais realista. No imaginário popular, a casa da sogra é um lugar onde tudo é permitido: tirar os sapatos, colocar os pés na mesa, assistir à tevê, tomando uma cervejinha. Quando a nova direção se deparou com a terra arrasada das finanças, percebeu que também nos cofres petistas tudo era permitido. A desorganização era total e o rombo financeiro, estratosférico: chega a mais de R$ 200 milhões, pelos cálculos feitos até agora, incluindo o dinheiro fruto de caixa 2. A nova cúpula insiste que não pagará as dívidas não oficiais, a despeito das cobranças do publicitário Marcos Valério.

Discórdia – Atolados em dívidas, os petistas ainda se dão ao luxo de se engalfinharem. Na sede do partido e nas bancadas da Câmara e do Senado, disputas, desconfianças, brigas, ameaças, cobrança, apodrecem o ambiente interno. O nó da discórdia é: quem vai para o sacrifício em nome da salvação da imagem do PT? Quem vai pagar pelos erros, irregularidades e dívidas? Os petistas cujos nomes vieram à tona nos escândalos? Ou deve haver uma socialização dos prejuízos? Essas questões incendeiam o PT. No meio do tiroteio está o ex-ministro e deputado José Dirceu, que voltou ao foco das acusações. Acuado e cada vez mais isolado dentro do partido, Dirceu não aceita ir para o sacrifício, nem se explicar dentro do partido que dirigiu com mão de ferro de 1995 a 2002. “O Zé quer que o PT assuma coletivamente todos os erros. Mas, se for o caso, ele terá que aceitar ir para o sacrifício”, comentou um parlamentar. Quem o visitou nos últimos dias percebeu que o ex-ministro parece conturbado, ciclotímico.

Dias antes de depor no Conselho de Ética da Câmara, na terça-feira 2, Dirceu mandou recados em várias direções. Avisou que poderá desovar mais munição sobre os tucanos, que já se misturam no lamaçal das denúncias. Aos petistas mais exaltados, o recado partiu de Delúbio, quando admitiu os empréstimos “não contabilizados”: ressaltou que o dinheiro foi usado em todas as campanhas de petistas, com exceção da do presidente Lula. No sábado 23, durante reunião do Campo Majoritário – que domina 70% da direção do PT –, Dirceu advertiu: “Ninguém vai se salvar sozinho.” O ex-ministro se irritou com o prefeito de Guarulhos, Elói Pietá, que fez duras críticas à cúpula anterior: “Quem permitiu terceirizar nossas finanças, colocando-as nas mãos de um aventureiro de fora do partido, desconhecido de nós, e sem nenhum compromisso com a história e os objetivos do PT?”

Frigideira – Dirceu avisa que não aceita que a nova direção divida o partido em “éticos e não éticos”. Mas a maior parte das correntes de esquerda do PT ameaça propor que o ex-ministro e outros petistas acusados nos escândalos se afastem temporariamente do partido e peçam a convocação da comissão de ética para esclarecer tudo. Vários deputados sentem o calor do óleo na frigideira, depois de ver seus nomes vinculados aos saques feitos nas contas de Marcos Valério no Banco Rural: João Paulo Cunha, Paulo Rocha, José Mentor, Professor Luizinho e Josias Gomes. O ex-tesoureiro Delúbio Soares começa a ser julgado na Comissão de Ética do PT no domingo 31 e tem sua expulsão dada como certa. Mas há quem aposte que ele faça como o ex-secretário Sílvio Pereira, que pediu a sua desfiliação.

“O isolamento de Dirceu está crescendo dentro do partido. Hoje há um sentimento geral de que a cúpula que atuou nos últimos anos deve sair. E José Dirceu encarna esse rumo errado que o PT tomou”, afirmou Chico Alencar (RJ). “O conjunto do partido não sabe nada sobre as contas do partido. Dirceu deve satisfações ao PT”, cobrou o deputado Antônio Carlos Biscaia (RJ). “Todos sabem da participação do ex-chefe da Casa Civil para aumentar as bancadas dos partidos da base. É pouco convincente que Delúbio tenha feito tudo sozinho”, atacou Paulo Rubem Santiago (PE). No fio da navalha, Tarso tem medido cada palavra. Garante à opinião pública que o PT não irá proteger ninguém: afirma que todos os envolvidos em escândalos deverão enviar ao partido explicações por escrito. Ao mesmo tempo, diz que “não temos motivos para duvidar da palavra de Dirceu”.

Mas Tarso terá muita dor de cabeça pela frente. Uma delas é o processo de eleição direta do partido, no dia 18 de setembro. O ex-ministro, a pedido do presidente Lula, anunciou na quinta-feira 28 que será candidato a presidente da legenda. Com a desilusão da militância, a esquerda do partido aposta na vitória, após dez anos de hegemonia dos moderados. Um dos sete candidatos a presidente, Valter Pomar, da corrente Articulação de Esquerda, não poupa o presidente do PT: “Tarso não significa mudança nenhuma. Ele não reconhece os erros cometidos pelo Campo Majoritário, que promoveu e apoiou uma política de alianças que gerou Roberto Jefferson, uma política econômica que gerou Henrique Meirelles, uma política de financiamento de campanha que gerou Marcos Valério”, criticou Pomar, terceiro vice-presidente do PT. Será difícil juntar os cacos da estrela.