Mauro Feitosa Júnior, natural de Fortaleza, no Ceará, é um dos casos nacionais encaminhados ao Vaticano. Diagnosticado com um tumor maligno no cérebro em 2002, aos 13 anos (leia boxe à pag. 91), ele viu seu prognóstico se reverter em menos de um mês. Nesse meio-tempo, seu pai, Mauro Feitosa Gonçalvez, organizou uma corrente de oração para pedir a intercessão de Irmã Dulce pela saúde de seu filho. “Sinto que fui sequestrado por Jesus nesse tempo que o Maurinho ficou doente”, lembra, emocionado. “E a carcereira foi Irmã Dulce, que no fim me libertou com o milagre da cura do meu filho.” Para explicar o que aconteceu ao Vaticano, a família Feitosa se desdobra para reunir documentos médicos e comprovações religiosas – um trabalho hercúleo.

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Desenganada pelos médicos
Os filhos de Antônia Marcelino, 64 anos, já tinham orçado o caixão da mãe, internada com infecção generalizada na UTI do Hospital Humanitas, em Três Pontas, Minas Gerais. Era noite do dia 30 de maio de 2001 e o médico havia dito à família que só um milagre salvaria Antônia. A senhora mineira tinha sido internada três dias antes para uma cirurgia de rotina, mas contraiu uma infecção hospitalar que evoluiu para um quadro de septicemia tão grave que seus órgãos pararam de funcionar. Impotente, a família passou a rezar fervorosamente para o padre Francisco de Paula Victor, um sacerdote venerado na cidade que está no início do processo de canonização. Já no dia seguinte ao veredicto fatal, ela começou a melhorar, até que se recuperou plenamente. Para o médico Fernando Prado, que acompanhou o caso, o que surpreende é que ela deveria ter ficado com sequelas, tamanha a gravidade da situação, e isso não ocorreu. A família Marcelino olha para a imagem de padre Victor em lugar nobre na sala e entende o porquê.

As razões que levam alguém a enfrentar uma verdadeira via-crúcis para comprovar uma intervenção celestial têm explicação. “O milagre se impõe de maneira tão poderosa que acaba agindo como um grande cala a boca para os que duvidam do poder divino”, afirma Antônio Flávio Pierucci, professor de sociologia da Universidade de São Paulo (USP). “Ele simultaneamente preenche a busca por certeza do fiel e testa o ceticismo de quem não crê.” Nesse sentido, a intercessão sobrenatural recebida por um alimenta a esperança do outro. E essa confiança age como um bálsamo para o fiel, mesmo que ele nunca venha a ser objeto da intervenção divina.

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MISTÉRIO
O corpo de Irmã Dulce, que morreu há 18 anos, permanece intacto

São muitos os estudos que comprovam que a fé tem efeito positivo sobre a saúde. Essa área de pesquisa, batizada de neuroteologia, tem crescido significativamente. Está provado, por exemplo, que crer em Deus ou em algo transcendente provoca reações no organismo que reduzem a produção de substâncias como o hormônio cortisol, que, em excesso, enfraquece o sistema imunológico (leia quadro na página ao lado). “A pessoa que ora está mais protegida”, afirma o médico Roque Savioli, autor de “Milagres Que a Medicina Não Contou” (Editora Gaia) e defensor de um diálogo mais franco e aberto entre ciência e religião. Já um estudo de 2010 da Rush University Medical Center (EUA) apontou que a fé aumenta em 75% as chances de sucesso no tratamento da depressão. Outro levantamento, conduzido pelo Dana-Farber Cancer Institute (EUA), mostrou que em casos de tratamento paliativo, quando o doente está em fase terminal, quem tem fé registra um índice de bem-estar 28% superior. Para o neurocirurgião Raul Marino Júnior, professor de bioética da Faculdade de Medicina da USP e autor do livro “A Religião do Cérebro” (editora Gente), ter algum tipo de fé é sempre melhor que ser ateu. “A vida fica sem propósito se a pessoa achar que é formada de carbono, cálcio, fósforo e magnésio”, afirma.

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Mas, se por um lado o ceticismo pode ser maléfico, a credulidade excessiva também oferece seus riscos, ainda mais diante de denominações religiosas que tratam a fé como uma mercadoria e oferecem graças como moeda de troca. O importante é não condicionar a crença à ocorrência desse tipo raro de fenômeno. “O milagre é um sinal de Deus que deve apenas confirmar a nossa fé”, explica a irmã Célia Cadorin, maior autoridade do País em canonização. Mesmo entre os que acreditam, paira a pergunta: por que alguns são agraciados e outros não? A resposta oficial dos católicos vem embalada numa palavra que parece feita para impedir um segundo questionamento – a inescrutabilidade dos desígnios de Deus. Traduzindo, os propósitos divinos seriam insondáveis. Para quem crê, o que importa é que Ele continua estendendo sua mão para a humanidade.  


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