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BOMBARDEI O As cenas dos ataques a Beirute, no Líbano, foram feitas no estilo dos filmes documentários

O relato a seguir é de Boaz Rein-Buskila, um soldado israelense que lutou na ocupação do Líbano, em 1982. Ele diz: "Quando se chega a um vilarejo, os cães sentem seu cheiro e logo começam a latir. Alguém tem que se livrar deles, e como os soldados sabiam que eu não era capaz de matar ninguém diziam ‘vá lá, Boaz’. Lembro de cada um deles, cada focinho, cada cicatriz, a expressão de seus olhos enquanto morriam." Esse depoimento sobre o horror da guerra (existem piores), simultâneo a cenas de matança de dezenas de cães dos campos de refugiados palestinos, não está em nenhum livro e muito menos em um filme de guerra. Faz parte de um desenho animado. Ele se chama Valsa com Bashir, foi feito por Ari Folman, um ex-soldado israelense que participou desse conflito e estreia no Brasil na sexta-feira 13. Trata-se de mais um exemplar de um tipo de animação que busca algo aparentemente contraditório ao gênero: o extremo realismo. Essa tendência vem tomando corpo há alguns anos e já merece ser considerada uma corrente. Filiam-se a ela, por exemplo, as produções francesas Persépolis e Renaissance, o longa dinamarquês está em nenhum livro e muito menos em um filme de guerra. Faz parte de um desenho animado. Ele se chama Valsa com Bashir, foi feito por Ari Folman, um ex-soldado israelense que participou desse conflito e estreia no Brasil na sexta-feira 13. Trata-se de mais um exemplar de um tipo de animação que busca algo aparentemente contraditório ao gênero: o extremo realismo. Essa tendência vem tomando corpo há alguns anos e já merece ser considerada uma corrente. Filiam-se a ela, por exemplo, as produções francesas Persépolis e Renaissance, o longa dinamarquêsPrincess e, numa prova de que mesmo nos EUA ela dá frutos, a animação americana Chicago 10.

Estamos diante, claro, de um estilo exatamente oposto ao dos desenhos animados hollywoodianos, marcados pela perfeição digital e pelo império da fantasia. A reação acontece justamente no momento em que esse segmento da indústria atinge seu auge. Dos 50 filmes que mais faturaram em todos os tempos, nove deles (quase 20% do total) são animação e acumularam, cada um, mais de US$ 500 milhões na bilheteria. Nesse cenário de ratos cozinheiros, pinguins dançantes e pandas com aspiração a faixa preta, Valsa para Bashir aparece como verdadeiro rato que ruge – é o único desenho animado que já concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro, ineditismo que já é uma vitória. Ele custou apenas US$ 1 milhão, menos de um centésimo do orçamento de Ratatouille, que consumiu US$ 150 milhões.

Por que é tão barato? Por que seus criadores optaram por um estilo que não demanda nada de investimento. Sem, claro, abrir mão da criatividade e da inteligência. Primeiro longametragem de animação realizado em Israel, o filme foi feito usando uma ferramenta bem simples da computação gráfica, o Flash, que confere movimentos a imagens paradas no antigo estilo quadro a quadro. Segundo o diretor de arte David Polonsky, sem esse recurso o longa, que levou quatro anos para ser feito, não teria sido realizado. Folman acrescenta que, pelo fato de Israel não possuir uma tradição no setor, eles puderam trabalhar com total liberdade – e isso talvez explique a ousadia de se levar às telas uma história em tudo inapropriada para o gênero.

Desenhado em sua maior parte em pretoe- branco e com grande influência do claro-escuro expressionista, Valsa com Bashir retrata o massacre de refugiados palestinos dos campos de Sabra e Chatila, localizados no Líbano e, na época (setembro de 1982), protegidos pelo Exército israelense. Eles foram mortos pelos falangistas (cristãos libaneses) em resposta ao assassinato do presidente libanês Bashir Gemayel. Ari Folman tinha 19 anos e presenciou a carnificina à qual Israel fez vista grossa. Passadas duas décadas, não lembrava de nada. Começou, então, a entrevistar seus colegas de tropa e, das 100 pessoas ouvidas, ele escolheu nove e transformou seus depoimentos em filme. Poderia ter feito um documentário. Mas decidiu ir além e incorporar à narrativa a sua própria recuperação da memória dos fatos. Foi quando optou por fundir os depoimentos, as recordações, os sonhos e alucinações dos entrevistados em um desenho animado. Só essa linguagem, conta ele, conseguiria dar forma a todos os ângulos do episódio. Bobagem. Sua experiência poderia perfeitamente virar um filme de ficção. Só que bem mais caro que US$ 1 milhão. Em um aspecto, contudo, Folman tem razão: certas sequências, como a de corpos de palestinos em putrefação, cobertos de moscas, se encenadas com atores, ganhariam algo de pornográfico e obsceno. Em desenho, é mais suportável de ver.

REALIDADE em traços expressivos

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RENAISSANCE
Na Paris de 2054, uma cientista é seqüestrada e seu desaparecimento dá origem a uma intriga envolvendo corporações da área da genética. Daniel Craig é um dos dubladores

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PERSÉPO LIS
Garota rebelde de Teerã vai estudar na Áustria depois que o país entra num período de repressão com a revolução islâmica. Concorreu ao Oscar de melhor animação

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PRINCESS
Produção dinamarquesa na qual um padre decide vingar a morte de sua irmã, uma atriz de filmes pornográficos viciada em drogas. Desaconselhável para menores de 18 anos