Ao ser eleito em 2002, Lula elevou a esperança à emoção triunfante sobre o medo. “A esperança venceu o medo”, sapecou o petista ao compor a já célebre frase. Lula não entendia de esperança, muito menos de medo, pois jamais leu, folheou ou passou os olhos sobre as obras e os ensinamentos de Lacan, Sêneca ou Hécato de Rodes. Se o tivesse feito, saberia que a esperança jamais pode sobrepor-se ao medo ou vice-versa. Lacan lembrava que ambos eram complementares. Quando uma pessoa espera que algo bom aconteça, ela é automaticamente invadida pelo medo de que o intento não seja alcançado. Bem antes de Lacan, o filósofo estóico Hécato de Rodes (100 a.C.) já dizia que o medo só cessa quando paramos de alimentar esperanças. Ou seja, também para ele as duas emoções eram indissociáveis. Uma não vive sem a outra. Se você nutre esperança, logo também recebe a visita do medo. Influenciado por todos esses, Ivo Andric, Prêmio Nobel de Literatura de 1961, escreveu: “Entre a esperança de que algo ocorra e o medo de que nada aconteça, resta um espaço. Ele é maior do que supomos. É nesse espaço duro, infértil e escuro que muitos de nós passamos a vida”.

Ao longo da nossa história política experimentamos confianças e receios ministrados na mesma dosagem e ao mesmo tempo. Não cabe passar em revista aqui. Sabemos bem como e quando. De novo nos encontramos nessa situação. A eleição de 2018 provou que a população brasileira nunca perdeu o medo de Lula, embora ele tivesse sido num passado recente depositário da fé de muitos. E o ano de 2019 se descortina a partir de expectativas e temores sobre o que pode vir por aí sob Jair Bolsonaro.

Mesmo que uns não queiram, muitos esperam, por exemplo, que a economia volte aos eixos, a educação não seja um puxadinho ideológico do PT ou de partido algum, que bandidos cruéis passem a ser tratados como tais e a corrupção deixe de ser uma política de Estado para perpetuação de poderosos no poder. Que o novo presidente entenda que ele pode muito, mas não pode tudo, respeite as instituições, a diversidade e não administre o Brasil como um gabinete de um parlamentar de baixo clero. Não pense, como o PT um dia imaginou, que o Brasil é a sua aldeia ou o seu quartinho, tal como a pizzaria famosa da Argentina “El cuartito”, freqüentada pelo ícone do tango Aníbal Troilo e que quando foi inaugurada, em 1934, não era maior do que um recesso íntimo. “O que pode ser mas nem sempre deve sê-lo, ao final se rende ao que precisa ser”, concluía o Nobel Andric, integrante do estoicismo, escola do amor fati — o “amor pelo destino” de que tanto falava Nietzsche. Depositamos esperança no novo governo — 64% da população, segundo recente pesquisa do Ibope. O medo é que o destino nos reserve um tango. Ou uma pizza.