O ministro reconhece que os hospitais públicos não atendem às necessidades da população e estão tomados por corporações

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PRIVATIZAÇÃO
Temporão diz que pressões políticas e interesses “de ponta” tentam favorecer hospitais privados

Há três anos no cargo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, aponta avanços no setor, mas não alimenta mais a expectativa de impor atendimento de Primeiro Mundo nos hospitais públicos do País. “Nosso atual modelo da Saúde, baseado na administração direta, não funciona para prestar serviço de qualidade para o povo”, afirma o ministro, em entrevista exclusiva à ISTOÉ. “Muitos hospitais públicos estão privatizados por interesses corporativos.” Temporão até hoje não assimilou o que considera um dos maiores golpes na Saúde: a extinção da CPMF, o imposto do cheque. “A perda dos R$ 40 bilhões da CPMF foi dramática”, diz. “Sem dinheiro novo, não vamos resolver o problema da Saúde.” Ele aconselha o próximo presidente da República a planejar logo no início do mandato o financiamento da Saúde. Entre as iniciativas positivas de sua administração, Temporão se mostra satisfeito por ter sugerido a criação de fundações estatais de direito privado para administrar os hospitais.

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"O problema é que muitos hospitais públicos estão privatizados
por interesses corporativos que prevalecem sobre o interesse da população"

Essa proposta foi rejeitada pelo Congresso, mas vem sendo incorporada por algumas secretarias estaduais. O ministro também co­­memora o índice de vacinação contra a gripe suína que supera o de países europeus. “A sociedade brasileira está protegida da gripe”, garante. Na entrevista, Temporão ainda se divertiu com a repercussão de seu conselho para que os brasileiros façam sexo cinco vezes por semana. “Nunca se discutiu tanto a hipertensão arterial.”

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"Nunca se discutiu tanto a hipertensãoarterial. Mas, quando
falei para fazer sexo cinco vezes por semana, não estava prescrevendo nada"

ISTOÉ

O Ministério da Saúde sempre foi criticado pela má gestão. O problema persiste?

José Gomes Temporão

Economizamos nos últimos três anos R$ 800 milhões comprando melhor, fazendo pregão, negociando com os fornecedores. Nessa área a gente avançou muito. O Ministério não fazia concurso público desde 1981, era tudo terceirizado. Contratamos 15,5 mil pessoas por concurso.

ISTOÉ

Muitas vezes o atendimento depende de hospitais administrados por Estados e municípios. E não funciona. Como o sr. vê isso?

José Gomes Temporão

A Saúde no Brasil é construída cotidianamente a seis mãos. As ações de serviço, a gestão dos hospitais, isso é executado pelos municípios, principalmente. Acredito que nosso atual modelo, baseado na administração direta, rígido, que pode funcionar muito bem para o nível central de um ministério, para a Receita Federal, para a Polícia Federal, não funciona para prestar serviço de qualidade. Eu não posso demorar um ano e meio para contratar um neurocirurgião. O povo não pode esperar por atendimento. Por isso lancei a proposta das fundações públicas de direito privado.

ISTOÉ

Mas a proposta não passou pelo Congresso.

José Gomes Temporão

É verdade. Mas o que me consola e me anima é que muitos Estados assumiram essa proposta. Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Distrito Federal, Espírito Santo, entre outros, adotaram essas e outras estratégias semelhantes. Você tem muitas iniciativas de organização social e de fundação estatal. E isso, com certeza, leva a uma gestão mais profissionalizada, mais imune a pressões políticas.

ISTOÉ

Muita gente dizia que isso seria privatização da saúde pública.

José Gomes Temporão

É um engano total. O problema é que hoje muitos hospitais públicos estão privatizados por interesses corporativos. Prevalecem interesses de corporações em vez do interesse da população. Este é o jogo. Quando a gente lança uma ideia de fundação estatal de direito privado, é um ente público. Ela é obrigada a atender ao SUS 100%, gratuitamente. Você trabalha em cima de metas e indicadores. E há um contrato de gestão, essa organização passa a ser avaliada o tempo todo. Hoje, nos hospitais públicos que ainda operam na maneira antiga, a avaliação é zero.

ISTOÉ

Em Brasília, o Ministério Público desconfia que o sistema público foi sucateado para repassar clientela para os hospitais privados. Há essa política nos Estados?

José Gomes Temporão

Eventualmente, pode existir. Às vezes, interesses políticos, interesses específicos na ponta, podem levar a distorções desse tipo. Mas a Constituição brasileira é muito clara: você só pode contratar serviços privados depois de esgotada a capacidade de atendimento do setor público.

ISTOÉ

O sr. teme algum retrocesso na Saúde ou acha que a sociedade tem que pressionar mais por uma saúde melhor?

José Gomes Temporão

A Saúde hoje passa por transições. A primeira é demográfica. O País está envelhecendo numa velocidade maior do que a dos países da Europa no início do século XX. A segunda é epidemiológica. Com a população mais velha, há mais doenças crônicas, mais diabetes, hipertensão, AVC, infarto e câncer. A terceira é tecnológica. Cada vez mais tenho pressão das indústrias para incorporar novos medicamentos, equipamentos, videocirurgia. A quarta transição é alimentar. Com a mudança no padrão da família, em que a mulher trabalha cada vez mais, aumenta o consumo de alimentos semi-prontos e prontos.

ISTOÉ

E a obesidade também passa a ser um problema?

José Gomes Temporão

Como se consomem mais refrigerantes, salgados e doces, aumenta a obesidade. Hoje, 40% da população brasileira está acima do peso e 15% podem ser considerados obesos. Temos ainda uma transição cultural. Em 20 anos de SUS, houve um crescimento muito grande do conhecimento das pessoas sobre a importância da saúde, da prevenção. A população cada vez mais sabe que o serviço de saúde de boa qualidade é direito garantido na Constituição. Mas sem dinheiro novo não vamos resolver.

ISTOÉ

Por sinal, o sr. reclamou do fim da CPMF, que reduziu o orçamento anual em R$ 40 bilhões.

José Gomes Temporão

A perda dos R$ 40 bilhões foi dramática. Imagine se hoje o Ministério tivesse R$ 40 bilhões a mais no seu orçamento? O que significa isso? Significa que posso reduzir as desigualdades regionais, aumentar a oferta a determinados serviços, remunerar melhor os profissionais, capilarizar essa rede.

ISTOÉ

Muita gente que paga plano de saúde diz que nem assim recebe atendimento na hora que precisa. O que se pode fazer?

José Gomes Temporão

A ANS toma medidas para mudar esse quadro e acabou de determinar a incorporação de mais 70 procedimentos. Todos os planos são obrigados a prestar esses novos serviços.  Não podemos correr o risco de acontecer o mesmo que nos Estados Unidos. Lá o Obama teve de intervir para fazer uma reforma porque o sistema americano é o mais caro do mundo, gasta mais e é o mais ineficiente.

ISTOÉ

Os três candidatos à Presidência estão preocupados com o financiamento da Saúde.

José Gomes Temporão

E isso é um problema que tem de ser atacado logo no início do próximo governo. A economia brasileira está crescendo muito, vamos ter recursos adicionais, que poderão ser alocados na área da saúde. Existe uma grande discussão sobre impostos adicionais para indústrias que causam danos à saúde, cigarro, bebida.

ISTOÉ

O sr. também aconselhou os brasileiros a fazer mais sexo para evitar a hipertensão. Como foi a repercussão?

José Gomes Temporão

A receptividade foi muito boa. É um tema que muita gente leva na brincadeira, mas eu levo para o lado positivo. Nunca se discutiu tanto a hipertensão arterial, que é uma doença silenciosa e mata muito. E é claro que quando eu falei para fazer sexo cinco vezes por semana eu não estava querendo fazer nada prescritivo. Cada casal tem o seu ritmo, mas eu quis chamar a atenção para a importância do sexo como um componente fundamental na felicidade e na manutenção de um corpo e uma mente saudáveis.

ISTOÉ

O sr. disse que a Funasa é um órgão corrupto. É preciso mudar esse quadro?

José Gomes Temporão

Tem que mudar tudo. Com a descentralização do sistema de saúde, em que os municípios assumiram esse papel que era da Sucam e da Fundação Sesp, a Funasa ficou sem um objeto claro. O que ela cumpre hoje é insuficiente para dar conta do seu tamanho, do gasto que o povo brasileiro tem com essa fundação. Ela tem que ser refeita. Temos 500 municípios no Brasil sem médicos, sem enfermeiros. Por que a Funasa não assume esse desafio de levar saúde pública de qualidade para as áreas remotas, de difícil acesso? A ideia da criação de uma força nacional de saúde para enfrentar epidemias, catástrofes naturais, enchentes, deslizamentos, composta por médicos, enfermeiros, sanitaristas, que pudesse se deslocar para qualquer ponto do Brasil, é uma boa alternativa para a Funasa.

ISTOÉ

A Funasa não foi vítima de um loteamento político?

José Gomes Temporão

Havia realmente uma presença importante ali do PMDB. O que nós fizemos foi trabalhar tecnicamente e botar a Controladoria-Geral da União e o TCU em cima. Nunca tivemos tantas punições de funcionários e dirigentes como no governo do presidente Lula.

ISTOÉ

Há alguma ação que o sr. lamenta não ter conseguido implantar em sua gestão?

José Gomes Temporão

A regulamentação da Emenda 29, que não depende do ministro, mas do Congresso Nacional. Ela discute o gasto total em Saúde, principalmente a participação do governo federal. Como a emenda não foi regulamentada, o meu orçamento é corrigido anualmente através da variação nominal do PIB.

ISTOÉ

O frio começa agora. A população pode ficar tranquila quanto à gripe suína?

José Gomes Temporão

A sociedade brasileira está protegida da gripe. Estamos erradicando. Em relação ao H1N1, a vacinação, este ano, vai fazer toda a diferença. Os Estados Unidos vacinaram 23% da população. A Suíça vacinou 17%. Aqui chegamos a 42% da população, muito mais do que nos países da Europa. A gente deu show.

ISTOÉ

O que o sr. recomenda ao cidadão brasileiro para manter a saúde em dia?

José Gomes Temporão

Cigarro, nem pensar. Está envolvido com 200 doenças e causa 200 mil óbitos por ano no Brasil. A bebida abusiva também pode causar problemas de saúde graves, mentais, orgânicos, cardíacos, hepáticos e vasculares.