Secretário de Segurança do Riodiz que a única alternativa paracombater a criminalidade é oenfrentamento duro aos bandidos

A luz no fim do túnel para a violência na cidade do Rio de Janeiro está cada vez mais parecida com o clarão de bombas como as que explodiram na noite de sábado 16 na boca do túnel Zuzu Angel, que separa a zona sul da Barra da Tijuca, em meio ao intenso tiroteio entre policiais e traficantes que dominam a favela vizinha da Rocinha. É possível interromper a escalada dessa violência? Qual o papel das forças policiais nessa sociedade partida? O que pode fazer a população – além de correr, se entrincheirar, chorar? Desde novembro do ano passado no cargo de secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, naquele que provavelmente é o maior desafio de sua carreira policial – mas que também pode asfaltar seu caminho para uma possível candidatura ao governo do Rio –, o delegado da Polícia Federal Marcelo Itagiba, 49 anos, diz que não existe outra política para a segurança pública que não seja a do confronto diário com o bandido e conclama a população das áreas dominadas pelo tráfico a resistir “utilizando de todos os instrumentos possíveis”.

As críticas ao estado de insegurança vivido pela população fluminense
desembocam naturalmente em Itagiba. Sua defesa é o ataque. Critica duramente
as “elites do asfalto”, para quem, segundo ele, a Rocinha – encravada no epicentro da zona sul carioca – é um inesgotável ponto-de- venda de drogas e para quem interessa agora discutir a tese da liberação. “Quando a droga era coisa de preto, pobre e favelado, tinha que criminalizar e ir para a cadeia. Na hora que atinge
as elites e os filhos das elites, todo mundo começa com o discurso da descriminalização das drogas”, ataca Itagiba.

ISTOÉ – O que o sr. faria se fosse um daqueles cidadãos que na noite de sábado 16 largaram seus carros e ficaram acuados dentro do túnel Zuzu Angel, com tiros e bombas do lado de fora?
Marcelo Itagiba

Esperaria por aquilo que de fato aconteceu: que a polícia chegasse, controlasse a situação e me desse proteção. Está claro que o processo de violência vem do tráfico em relação à sociedade, e não da polícia contra as populações menos favorecidas, como muitos querem dizer. Quem está atacando a sociedade civil são os bandidos e a polícia tem que estar presente para conter isso.

ISTOÉ – Como é estar no posto de secretário de Segurança numa cidade onde a criminalidade é tão grande?
Marcelo Itagiba

Em qualquer lugar do mundo, as pessoas têm medo da violência. O
(diretor de cinema Alfred) Hitchcock dizia o seguinte: muito mais pavoroso que o
estrondo é a expectativa que o estrondo possa acontecer. Isso ele retratou muitobem nos seus filmes: a antecipação do medo. É o que vivemos.

ISTOÉ – Que imagem o sr. acha que o Rio de Janeiro está passando para o País?
Marcelo Itagiba

O Rio é a síntese do Brasil. O que estamos observando hoje, com bastante evidência no Rio, é um processo de violência presente em todo o País. Temos hoje 35% da população brasileira morando em nove cidades. Um país que não cresce, que não dá oportunidade para que as pessoas tenham condições de subsistência, com essas taxas de juros exorbitantes, começa a formar dentro das grandes
cidades um caldeirão cultural propício a essas explosões sociais. O tempero que
faz com que essas pressões sociais sejam violentas é o tráfico nas comunidades.
E no Rio existe uma disputa de grupos por pontos de maior possibilidade de venda de drogas para o consumo das elites do asfalto.

ISTOÉ – O que está acontecendo na Rocinha, que há alguns anos era considerada uma favela pacífica?
Marcelo Itagiba

A Rocinha é um dos principais entrepostos de venda de droga para a população da elite, do asfalto, por sua localização geográfica e por sua dimensão. As pessoas não gostam de falar do usuário, mas só nos resta fazer uma grande campanha de conscientização. O usuário é a primeira vítima da droga, aquele que se torna um escravo dessa droga. Mas também vitima outras pessoas, transformando seu prazer na violência que atinge toda a sociedade. É o processo de retroalimentação do tráfico. E, enquanto houver o consumo de drogas, esse processo vai continuar.

ISTOÉ – O sr. concorda com a tese de que a liberação da droga acabaria com o tráfico?
Marcelo Itagiba

Liberar como? Para todas as idades? Quem vai fornecer a droga? Vamos criar uma Drogabrás? Quando a droga era coisa de preto, pobre e favelado, tinha que criminalizar e ir para a cadeia. Na hora que atinge as elites e os filhos das elites, todo mundo começa com o discurso da descriminalização das drogas. Esse é o ponto central da questão. Por que agora começam com esse discurso liberalizante? Não temos que liberar. Temos que colocar esses traficantes todos na cadeia, sejam eles quem forem. Esses traficantes permeiam o universo social e político – alguns foram até afastados do Congresso, outros foram encontrados no mundo do futebol.

ISTOÉ – Temos leis eficazes para puni-los?
Marcelo Itagiba

Para intermediar conflitos nas grandes cidades, hoje só existe o
Código Penal. Eu defendo a criação de dois estágios antecedentes à norma
penal. Primeiro, uma lei de posturas municipais, em que o juiz possa aplicar em primeiro estágio uma pena irrecorrível, que poderia ser de serviços comunitários, multa pecuniária ou até mesmo detenção. Um segundo estágio seria a estadualização da Lei de Contravenções Penais, também com a pena aplicada
de imediato. Um indivíduo urinando no meio da rua não tem que ser autuado por atentado ao pudor, mas condenado a ficar três dias limpando o banheiro da Central do Brasil. Deixaríamos como última instância a Lei Penal, voltada apenas para
os crimes verdadeiramente graves.

ISTOÉ – O que mais alimenta o crime: o tráfico de drogas ou de armas?
Marcelo Itagiba

Existe um processo social grave. Você entra em qualquer comunidade carente, em qualquer lugar do País, e vê crianças fora das escolas, as pessoas desempregadas, e isso tudo concentrado em pequenos espaços urbanos
propícios à fomentação da violência. Mas, como eu disse, o que tempera tudo
isso é a droga, que leva às armas, que servem para que se possa dominar ou conquistar pontos-de-venda.

ISTOÉ – Em outros países existe tráfico, mas os bandidos não estão armados como aqui.
Marcelo Itagiba

Se compararmos o Rio com cidades do Primeiro Mundo, estaremos diante de lugares com situação econômica diferente. Mas as armas estão lá. Existe uma falsa impressão de que nesses lugares não existe a violência armada. Ela existe e é muito forte. Em determinadas localidades de alguns países da Europa e nos Estados Unidos, não se anda tranqüilamente depois de certo horário.

ISTOÉ – Mas nesses lugares não há bazucas, granadas, artilharia antiaérea…
Marcelo Itagiba

Não somos produtores de armas nem de drogas. Isso entra pela fronteira nacional. Hoje o Rio é um problema visível, mas amanhã não se surpreendam se esse mesmo tipo de coisa começar a acontecer em outras cidades.

ISTOÉ – A situação está fora de controle?
Marcelo Itagiba

Não, não está fora de controle. Mas não existe fórmula mágica para solucionar o problema da segurança pública, como se bastasse fechar a entrada e a saída dos morros. Se fosse assim, seria melhor fechar as fronteiras do Brasil para que não entrasse mais droga nem arma. Segurança pública é um trabalho permanente de contenção da criminalidade.

ISTOÉ – O sr. é um policial federal. A PF, no caso de combate ao tráfico de drogas e armas nas fronteiras, está fazendo o seu papel?
Marcelo Itagiba

Tem que ser feito mais, tem que ser feito em toda a fronteira do Brasil. O problema são os países vizinhos, que são grandes exportadores de armas para o território nacional. Essas armas entram provenientes do Paraguai, que não fabrica armas, vindas de países do Primeiro Mundo. E entram via terrestre. Não existem grandes carregamentos por ar ou pelo mar. Temos que cortar esse fluxo.

ISTOÉ – Por que isso não se resolve nunca?
Marcelo Itagiba

Você sabe quantos ônibus passam na fronteira do Brasil com o
Paraguai? Você vai abrir mala por mala, revistar ônibus por ônibus? É um
tráfico de armas formiguinha.

ISTOÉ – Sinceramente, é possível retomar as comunidades dos traficantes ou chegamos a um ponto irreversível?
Marcelo Itagiba

Da população que mora nas comunidades, 99,9% é ordeira, trabalhadora e está submetida a uma minoria. No dia em que esses submetidos resolverem apoiar as ações da polícia para tirarmos de circulação os criminosos, vamos ter mais sucesso do que temos tido. É preciso fazer uma resistência à presença desses indivíduos se utilizando de todos os instrumentos possíveis, seja ligando para o disque-denúncia, seja de outras formas. Para se resgatar alguém, esse alguém tem que querer ser resgatado. E expressar isso.

ISTOÉ – O sr. está no cargo desde novembro do ano passado. O Rio respira mais segurança hoje?
Marcelo Itagiba

Não existe outra política para a segurança pública que não seja a do confronto diário com o bandido. Segurança pública atua na repressão, nas conseqüências do problema social, e não nas causas. Somos um dique de contenção. Quando o mar fica revolto do lado de lá, a água transborda. Segurança pública não é a solução, mas onde recaem os problemas não solucionados pela sociedade. Desde o período em que Anthony Garotinho (hoje secretário de Governo) passou por aqui, prendemos 45 mil indivíduos e apreendemos mais de 30 mil armas. Além disso, 75 lideranças do tráfico foram presas ou mortas em confronto com a polícia. Houve um grande investimento em equipamentos, viaturas, armamentos, em inteligência e tecnologia. Agora demos um aumento linear de 17% para todos os policiais, da reserva e aposentados, em parcelas que vão até dezembro. Eu, como funcionário público federal, recebi 0,1% de aumento este ano. Todos nós queremos mais. Mas demos aquilo que foi possível.

ISTOÉ – A má remuneração do policial pode explicar a corrupção?
Marcelo Itagiba

Determinadas profissões são como um sacerdócio. Polícia é para quem é vocacionado para ser polícia. Quem veio para a polícia procurando emprego ou querendo ficar rico veio para o lugar errado. Ninguém enganou ninguém. A má remuneração não pode jamais ser uma desculpa para o processo de corrupção.

ISTOÉ – O tamanho da corrupção policial não o deixa perplexo?
Marcelo Itagiba

O que me deixa perplexo são os crimes cometidos por aqueles que
estão nos mais altos postos da República recebendo mensalões que fazem
muito mais mal à população do que esses policiais. Esses maus policiais,
pelo menos, nós combatemos e colocamos na prisão. Fazemos a nossa parte separando o joio do trigo.

ISTOÉ – O cantor Marcelo D2, que exerce uma forte influência sobre a juventude, disse recentemente que confia mais nos bandidos que na polícia. O que o sr. acha dessa afirmação?
Marcelo Itagiba

Cada um se sente bem no seu meio. É a única resposta que posso dar a essa pessoa e a todos aqueles que pensam igual a ele. A gente tem que procurar valorizar sempre o lado bom da polícia – os maus policiais são bandidos. Não
existe sociedade organizada sem polícia. A polícia é que estabelece a organização social porque ela é que faz com que as leis sejam cumpridas. A polícia é feita para isso. Temos que apoiar aquilo que nos protege. E não criar falsas assertivas de
que bom é o banditismo. Não existe bandido bom. Existe o bandido e existe o mocinho. Existe o bem e existe o mal.

ISTOÉ – O sr. é candidato ao governo do Estado em 2006?
Marcelo Itagiba

Sou candidato a ser um bom secretário de Segurança Pública até o dia
que a governadora determinar. A governadora é que determina qual caminho devo seguir. Candidato a governador do Rio? Estou sempre pronto para prestar bons serviços à cidade e ao Estado que eu amo, onde nasci e cresci.