Na tarde ensolarada de 30 graus, enquanto os pedestres buscam uma sombra qualquer nas ruas vizinhas à Praça da Bastilha, um inusitado desfile toma conta do asfalto. É a exuberante Daniela Mercury, que puxa um cordão ao som dos tambores do bloco afro Ilê Ayê. Não se trata de uma micareta à francesa, mas da filmagem de um DVD, dirigido por Andrucha Waddington. Mesmo assim, um bando de curiosos e turistas sem hora marcada vão se juntando ao grupo, com Daniela soltando a voz no conhecido refrão: “Não me leve não, não, não. Me deixe à vontade. / Deixe eu curtir o Ilê. O charme da liberdade.” Sem entender o português, alguns africanos arriscam frases incompreensíveis. E se instala o carnaval. Perguntado sobre a fuzarca, um francês responde, já habituado: “C’est le Brésil” (É o Brasil).

Sim, o Brasil está em todas as partes de Paris neste Ano do Brasil na França, que parece ter atingido a temperatura máxima no escaldante verão de dias que não terminam. Está nas charmosas estações de metrô, em cartazes que estampam as boas notícias e estatísticas nacionais: 7.400 quilômetros de praias, sete milhões de quilômetros quadrados de florestas, 50 parques nacionais. Nas liquidações de grandes magazines, como as Galerias Lafayette e o Printemps, ao som de algum samba ou bossa-nova, vendem-se Havaianas e roupas da Osklen e Ellus a preços, digamos, pouco convidativos. Está, principalmente, nos palcos e melhores salas de exposição da cidade. Na data nacional de 14 de julho, a programação musical atingiu seu auge com o show Viva Brasil, montado pelo Pão de Açúcar e seu parceiro francês, o Casino, ao custo de R$ 600 mil. Vestido dos pés à cabeça de Armani, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, comandou um espetáculo competentíssimo, à frente de convidados do porte de Lenine, Seu Jorge, Jorge Benjor, Gal Costa, Jorge Mautner, Daniela Mercury, o Ilê Ayê e o cantor francês Henri Salvador.

Apesar de conhecidos dos jovens e com trabalhos recentes à vista nas lojas,
Lenine e Seu Jorge apenas esquentaram o espetáculo. O show começou
mesmo a dar sinais de euforia quando Jorge Benjor alinhou hits como Taj Mahal
e Filho Maravilha, cujo refrão era cantado até por turistas japoneses. Foi nesse momento, todos sabem, que o presidente Lula subiu ao palco, que praticamente
se incendiou ao final, sob o comando de Daniela Mercury. A baiana balançou literalmente o monumento alado da praça. Ao entrar, depois de Gil, saudou a
platéia. “Que país tem um ministro como esse?” No curralzinho entre o palco e
o público, o ex-ministro da Cultura francês Jack Lang deu um sorriso amarelo.
Sua opinião sobre o show? “Estupefaciente!!!” Assim mesmo, em uma palavra,
com a economia verbal dos parisienses.

Na virada da meia-noite, em vez de saudar a França, Daniela Mercury provocou ao gritar “Viva a África!” E, ao receber todos os amigos para cantar em coro o Hino Nacional e A Marselhesa, não se conteve e comentou o óbvio: “Nossa, quantos baianos!” Criticado pela seleção de artistas, o produtor do show, Sérgio Ajzenberg, defendeu-se. “A Bahia tem uma expressão musical forte, popular. Já Gal e Gil não são nem mais baianos, são internacionais.” A presença musical brasileira tem sido mais variada em eventos paralelos, como o Villete Brésil(s), que reservou noites quentes para Tom Zé, Fernanda Abreu, Instituto e Z’Africa Brazil, e outros tantos. Outro ponto procurado era o Espaço Brasil, uma mistura de palco, loja e sala de exposições montada no Carré du Temple, um simpático mercado de estrutura de ferro perto da Praça da República. Por lá passaram gente como Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto, Martn’ália e Wagner Tiso, além da Philarmonia Brasileira, com um concerto de Villa-Lobos – Villa em movimento. No sábado 16, a fila dobrava a esquina para ver Armandinho, Yamandú Costa, Paulo Moura e Robertinho Silva homenagearem Tom Jobim.

Estereótipos – A afluência do público obrigou a organização a impedir o acesso à mostra de Amilcar de Castro, em sua primeira grande exposição internacional. Reunindo as famosas esculturas em aço partido e dobrado, a exposição é uma das inúmeras tentativas do Ano Brasil de fugir dos estereótipos do país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Outra tentativa foi arquitetada mais longe, no Parque da Bagatelle, quase no final da linha de metrô que leva ao Arco de La Défense. Sob o nome de Diálogo com a natureza: obras de Frans Krajcberg, a mostra exibe as impactantes esculturas do artista polonês radicado no Brasil, feitas de troncos de árvores queimadas, terra e tinta avermelhada. É muito interessante o diálogo de suas “flores” de feições pré-históricas ou extraterrestres, e de suas tabas, feitas de palmeiras adornadas de pinturas indígenas, com a área high tech de Paris e seu horizonte de prédios espelhados.

Não é a primeira vez que Krajcberg, que já morou na cidade, expõe por lá. Mas o ineditismo é a palavra-chave na maioria das mostras de arte em cartaz. É o caso de O Império brasileiro e seus fotógrafos, no Museu D’Orsay, com fotos da Biblioteca Nacional e do Instituto Moreira Salles, que reúne imagens preciosas de Victor Frond, Marc Ferrez, Revert Henry Kumb e Auguste Stahl, entre outros, o último com uma rara Natureza-morta com frutas tropicais, de 1857, enquadrando cajus, bananas, abacates e mangas. O mesmo motivo, que poderia adornar a cabeça de Carmen Miranda, aparece na tela Natureza-morta com frutas, pintada por Agostinho José da Motta em 1873, destaque da exposição A Coleção Brasiliana – os pintores viajantes no Brasil (1820-1870), no Museu da Vida Romântica. Só que agora acrescido de berrantes bicos-de-papagaio. Os clichês verde-amarelos vêm de longe.