Autor de textos memoráveis como Tio Vânia e A senhora com o cachorrinho, o escritor e dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860-1904) é um daqueles nomes mais citados do que lidos. Ao menos entre o público brasileiro, agora brindado com dois de seus livros e um interessante relato sobre a Rússia de seu tempo. Ofuscado em geral por conterrâneos de obras mais densas e alentadas como Dostoievski e Tolstoi, Tchekhov se destacou, ao contrário, pela extrema concisão e impressionante variedade de sua obra, voltada para a história curta, conto ou novela. Ao contrário dos que invocavam a melancolia da alma russa, contaminada pelos rigores do inverno, Tchekhov mostrava-se, antes de tudo, um autor irrequieto e ansioso pelo instantâneo fugaz, pela captura do momento, pela luz e o movimento, pela natureza em todo o seu esplendor.

Um pouco mais extensa, a novela Estranha confissão (Planeta, 248 págs., R$ 35) chega a ser citada como precursora dos romances policiais de fundo psicológico, com a introdução de questionamentos morais e dilemas obscuros na consciência dos detetives de plantão. Mesmo nela, porém, em meio ao crime e aos desmandos de uma aristocracia decadente, o texto se move alegremente, pleno de luz estival e de uma irreverente amoralidade. Clima parecido ao de O silvano (Editora Globo, 168 págs., R$ 29), peça de teatro de 1889, inédita em português, considerada um prelúdio para Tio Vânia. Uma boa companhia para os dois volumes é Lendo Tchecov (Ediouro, 459 págs., R$ 49,90), da jornalista americana Janet Malcolm, que descreve uma jornada pela Rússia contemporânea do escritor, acrescida de alguns de seus principais contos, traduzidos elegantemente por Tatiana Belinky.

Com o olhar crítico – e cínico – de jornalista, Janet mergulha, sem inibições, deslumbramentos ou preconceitos, na intimidade e no hábitat desse escritor que valorizava a estética acima de tudo e que não suportava a vulgaridade. Vale destacar os reparos às muitas histórias cristalizadas no imaginário dos guias da velha escola soviética a respeito dos amores que Tchekhov procurava manter tão em segredo quanto possível. A obsessão pela privacidade era uma das mais fortes características do autor, junto com a paixão pela dramaticidade. Coerentemente, sempre é lembrada a história de sua morte, quando, ao constatar que sucumbiria aos estertores de uma tuberculose longamente arrastada, Tchekhov se despediu da vida com um brinde – de champanhe.