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VOZ DO POVO Sarkozy eleva déficit para 5,9% do PIB, mas há desconfiança de ações anticrise

Até o fim de 2008, os líderes europeus alimentaram a ilusão de que a crise dos créditos subprime dificilmente atravessaria o Atlântico. Apesar de acertarem o oceano, erraram na previsão. Em toda a União Europeia, o desemprego alcança 7,4% e, segundo o Fundo Monetário Internacional, a produção, em 2009, deve cair 2%. Os países europeus acreditavam estar mais descolados dos Estados Unidos. Mas rapidamente a crise venceu os mares e, agora, ameaça até a coesão europeia.

A primeira recessão desde o lançamento do euro avançou sobre o continente e chegou aos vizinhos do Leste. O ex-bloco comunista acordou do sonho capitalista e começa a ser apontado como a nova Ásia do fim dos anos 1990 – quando os tigres viraram gatos.

A Europa, a despeito de variações étnicas, descobriu-se mais homogênea do que nunca diante da crise. O que ainda a diferencia é a forma como seus líderes administram o problema. Um deles, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, tem preocupado o planeta pelo risco de seu estilo e método piorarem o caos social na região.

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Quanto aos indicadores econômicos, a França está ombro a ombro com seus vizinhos. Como no resto do mundo, o Estado assumiu o papel abandonado pelo mercado e o déficit público em 2009 deve bater os 5,9% do PIB, segundo o jornal Le Figaro.

Isso significa quase o dobro dos 3% autorizados pelo Tratado de Maastricht e um endividamento de 73% do PIB. Esses números mantêm o país, quanto às finanças públicas, como o pior exemplo da Europa, segundo os critérios da comunidade. "Este déficit permite lutar contra a crise de forma eficaz, não é que seja nem um erro nem um mau déficit", explicou o ministro do Orçamento, Eric Woerth. "O déficit não aumenta porque seja fruto das despesas correntes, é a despesa do combate à crise financeira."

O problema é que a crise destruiu os alicerces sobre os quais Sarkozy, como representante ideológico da chamada direita, se elegeu: menos Estado, menos impostos, mais trabalho e mais renda. Logo, as soluções possíveis no receituário do presidente, de acordo com analistas políticos franceses, guardam uma incoerência e aumentam a incerteza econômica, pois, apesar do déficit, o entendimento dos franceses é de que Sarkozy ainda reduz o Estado. Sem conseguir mudar esta percepção, o presidente assiste a uma queda de popularidade bem maior do que a de seus vizinhos europeus (leia abaixo). Sua aprovação caiu de quatro a nove pontos percentuais, de acordo com os institutos de pesquisa, e é a mais baixa desde o início de 2008. Seu jeito "bling-bling" – como definiu o jornal Le Monde para caracterizar uma postura meio aloprada – somado a um dos mais baixos patamares de poder de compra já experimentado pelos franceses só fizeram ampliar a desconfiança. As ações de Sarkozy são pouco claras e seu pragmatismo transformou-se em deficiência. Até mesmo integrantes de seu partido, a UMP (União por um Movimento Popular), esperam dele uma virada radical. A sugestão é de que Sarkozy faça a curto prazo tudo o que ele acredita que não deve ser feito a longo prazo, ou seja, ampliar mais o papel do Estado. Ele resiste. Mas a UMP aposta que as sondagens para a eleição de 2012 podem fazê-lo mudar de ideia. A favor, ele tem apenas uma oposição ainda enfraquecida pelas agruras do período socialista. "Nós estamos numa fase em que os problemas de método começam a impedir o avanço", afirmou o deputado Hervé Mariton (UMP). "É preciso parar com a pretensão de que vamos refazer o mundo, multiplicar o debate e respeitar os atores, que estão particularmente sensíveis neste período", completa, referindo-se sobretudo aos sindicatos de trabalhadores. Segundo ele, Sarkozy tem deixado aprofundar um divórcio entre o governo e o mundo do saber: os formuladores de políticas públicas e os acadêmicos.

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Ao contrário do que se poderia imaginar, a altivez do presidente francês não se curva aos fatos – nem às manifestações de rua, que tomaram conta do país, nem aos índices de popularidade. "Sarkozy estima que nós não devemos nos deixar envenenar por aqueles que se dizem formadores de opinião", revelou ao Le Monde a ministra de Negócios Sociais, Brice Hortefeux. "Seu método consiste em não passar pelos corpos intermediários, que são quase sempre profissionais em denegrir, mas se dirigir diretamente aos franceses." De acordo com as pesquisas, porém, este estilo está apenas servindo para produzir uma crise dentro da crise.