GEORGE MAGARAIA

TALENTO Antes de entrar para a tevê, Carvalho estudou letras e arquitetura

Luiz Fernando Carvalho é carioca, galã e tem altura de jogador de basquete – 1,95 metro. Poderia portanto ter-se dado muito bem em qualquer atividade que exigisse porte físico e beleza. Intelectualmente, tem diploma em arquitetura e em letras, ambos engavetados. Luiz Fernando Carvalho preferiu dar murros em ponta de faca seguindo a carreira artística. Quando era jovem, cabeludo e iniciante na Usina de Teledramaturgia da Rede Globo (hoje ele está com 47 anos), percebeu que, quanto mais desafiador é um projeto, mais ele se sente atraído. Nesse núcleo da emissora, Carvalho foi diretor assistente de minisséries diferenciadas como Grande sertão: veredas e O tempo e o vento. Já na direção, assinou, no cinema, Lavoura arcaica (uma obra-prima literária de Raduan Nassar, difícil de ser adaptada) e, na tevê, revolucionou a linguagem com Hoje é dia de Maria, adaptação da obra de Carlos Alberto Soffredini. Agora, ele volta a inovar e provocar com A pedra do reino, do delirante livro homônimo de Ariano Suassuna. Luiz Fernando Carvalho faz uma Globo diferente.

Há momentos em que o público estranha a sofisticação do diretor, como aconteceu com a minissérie Os Maias (Eça de Queirós), cujo Ibope não foi dos maiores, apesar de ter sido aplaudida pela crítica. Já na estréia, A pedra do reino assustou a Globo: cravou apenas uma média de 12 pontos no Ibope, deixando o primeiro lugar para a Record em São Paulo. O presidente da Fundação Biblioteca Nacional, sociólogo e estudioso de televisão, Muniz Sodré, diz que isso é normal porque "o público está acostumado a facilidades". Uma proposta arrojada como A pedra do reino, para a qual Carvalho não quis escalar estrelas globais, preferindo atores do Nordeste, leva tempo para contar com a cumplicidade do público. Mas o elo acaba acontecendo. "A tevê cria seu cúmplice. É chegado o momento de abrir a porta para criadores independentes como Carvalho", diz Sodré. A atriz Fernanda Montenegro credita à "obstinação artística" do diretor os "resultados maravilhosos" de seus projetos.

Embora não pareça confiar muito na imprensa (Carvalho faz questão de conversar com jornalistas através de perguntas e respostas para garantir fidelidade ao seu pensamento), ele conta com os aplausos da maioria dos críticos. A ousadia em enfrentar adaptações de obras-primas é vista como ato heróico. A pedra do reino inaugura o projeto Quadrante, dentro do qual Carvalho também levará para a telinha Capitu (a partir de Dom Casmurro, de Machado de Assis). Os dois outros livros previstos são Dançar tango em Porto Alegre (Sérgio Faraco) e Dois irmãos (Milton Hatoum). Para Suassuna, ele pode assumir a empreitada porque é da estirpe dos melhores: "O Luiz pertence a uma linhagem de artistas brasileiros que, pela ordem cronológica, é a seguinte: Euclides da Cunha, Villa-Lobos, Ariano Suassuna e Luiz Fernando Carvalho."

TRÊS PERGUNTAS AO DIRETOR
ISTOÉ – A cultura brasileira é centralizada no eixo Rio-São Paulo. Por que, já que a maior diversidade está na periferia do País? Luiz Fernando
Carvalho –
A maioria de nós, burgueses, brancos e bem alimentados, persiste no preconceito em relação a nossa própria nação e sua gente simples do interior. Muitos se surpreendem com a quantidade de talento espalhado pelo fundo do País. Mas, apesar das gerações e gerações de abandono por grande parte dos governos, a vida resiste, sim. Não vou ficar aqui reclamando, prefiro agir.

ISTOÉ – Como?
Carvalho –
São milhares e milhares de talentos que se desperdiçam a cada dia e eu não posso ficar esperando, contente demais com isso que vejo. Do lado de lá, no fundo do sertão, percebemos claramente o que é possível fazer pelo próximo e pelo País. Do lado de cá, um mundo globalizado nos turva a vista, enquanto nos aguarda com suas armas cheias de fórmulas e modelos instantâneos de sucesso. Estamos em luta contra esses "monstros".

ISTOÉ – Há enorme expectativa em torno de A pedra do reino – devido, até, ao alto investimento da Rede Globo.
Carvalho –
É mesmo? Existe uma enorme expectativa em um horário de 23h30? Depois do futebol? Permitame fazer um pequeno ajuste na sua afirmação: não houve esse alto investimento, ao contrário, estamos trabalhando dentro de um orçamento padronizado, que é muito menor que o de quaisquer cinco primeiros capítulos de qualquer novela. Um milagre, eu diria.