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KAKÁ NO CHÃO
A esperança de que a Seleção fosse mais
brasileira ruiu com a crise técnica do astro

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O medo venceu a esperança, por um placar modesto, nos gramados da África do Sul. Jogadas brilhantes, a ousadia individual ou mesmo um simples lampejo de genialidade foram derrotados implacavelmente, seja na estreia da Seleção Brasileira, seja na maior parte das partidas da primeira rodada da Copa do Mundo, cuja principal marca foi a escassez de gols. Apesar do mistério criado pelo técnico Dunga com seus insistentes treinos secretos, o time comandado por ele seguiu o script de um Mundial que, até este momento, tem sua maior estrela fora das quatro linhas (leia reportagem sobre Maradona na pág. 106). Kaká, a grande esperança de que a nossa Seleção fosse pelo menos um pouco brasileira e menos europeia, também seguiu seu roteiro particular dos últimos meses. Jogou de forma burocrática, sem criatividade, longe, muito longe, de seus melhores momentos. A verdade, no entanto, é que nem a Copa em si nem o Brasil decepcionaram. Em um momento em que o futebol mundial reverencia times que têm como sua principal arma defesas impenetráveis, caso da campeã da Liga dos Campeões, a Inter de Milão, seria esperar demais ver gols memoráveis, dribles desconcertantes ou mesmo um jogador que saísse do status quo por pura rebeldia. Por enquanto, a Copa do Mundo da África do Sul e a Seleção Brasileira estão provando que a emoção deu lugar, de vez, para a razão no mundo do futebol. A regra agora é o pragmatismo de resultados.

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DIVIDIDA
Como aconteceu no jogo entre Brasil e Coreia do Norte, as
defesas não deixam espaço para a arte

É claro que tudo pode mudar até o dia 11 de julho. Copas do Mundo são provas incontestáveis de que previsões no futebol deveriam ser permitidas apenas para as videntes mais talentosas. Exemplos não faltam, como a derrota da brilhante Seleção Brasileira de 1982 para a retrancada Itália, ou, mais recentemente, a vitória desta mesma Itália, também apresentando um futebol duro de assistir, na última Copa do Mundo. Mas o que não se pode contestar é que na primeira rodada deste Mundial o que se viu foram seleções muito mais preocupadas em destruir do que em criar. “Falta alternativa para que o talento individual dos jogadores apareça”, diz Paulo Vinícius Coelho, comentarista dos canais ESPN. A velha máxima de que a melhor defesa é o ataque foi invertida sem cerimônia por quase todos os 32 times que entraram em campo na África do Sul nos 16 primeiros jogos. “Uma boa Copa é medida pelos gols e nessa primeira rodada o Mundial foi assustador”.

Os números provam isso de forma também inconteste. Em todas as 18 edições anteriores da Copa do Mundo, nunca se marcaram tão poucos gols como agora. Nas 16 partidas disputadas na primeira fase, as redes balançaram apenas 25 vezes, uma média de 1,56 gol por jogo. Até então, a estatística pior só havia sido vista nos Mundiais de 1974, na Alemanha, e 1962, no Chile, quando foram marcados apenas dois gols em média por partida. Em números absolutos, o desempenho é ainda mais assustador. Desde que a Copa do Mundo passou a ter 32 seleções, em 1998, não eram marcados tão poucos gols. E, olhando em retrospecto para a história dos Mundiais, que até 1974 contava com apenas 16 equipes – entre 1978 e 1986 eram 24 competidores –, o saldo é ainda pior. Apenas em quatro edições, as redes balançaram menos na primeira rodada do que agora.

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DUNGA
Adepto do futebol sem riscos, filosofa:
“Se ninguém falhar, o jogo termina em zero a zero”

Para Dunga, no entanto, esses números não parecem demonstrar nada além de uma Copa marcada pela eficiência das equipes. Como declarou na entrevista coletiva após a magra vitória do Brasil sobre a Coreia do Norte por 2 a 1 na terça-feira 15, o técnico da Seleção acredita que os gols acontecem muito mais por demérito das defesas do que por mérito dos atacantes. “Se ninguém falhar, o jogo termina em zero a zero”, filosofa o treinador brasileiro. Ao que parece, para Dunga, não há espaço para os passes que mais se aproximam de números de mágica, para os gols que surgem da criatividade desconcertante de alguns jogadores ou para a ousadia individual que sempre foi a marca do futebol brasileiro e sul-americano.

Jogadores como Felipe Melo e Gilberto Silva têm cadeira cativa nesse futebol em que o passe certo para o lado é melhor e menos arriscado do que um toque de mestre, que pode deixar um jogador na cara do gol, mas também pode armar um contra-ataque. O Brasil de Dunga privilegia a previsível segurança europeia. Se Kaká voltar à velha forma, a Seleção poderá ter lampejos de Brasil. Será criativo, porém, se tiver pernas para romper a defesa adversária em um contra-ataque fulminante. É assim que o chefe gosta. Lançamentos de Gérson, elásticos de Rivelino e elegância de Falcão só em videotape. Para Dunga, e para boa parte dos treinadores que está na África do Sul, a Copa do Mundo é resultado, independentemente da forma a que se chegue a ele.

E aí se estabelece um paradoxo. O futebol tornou-se o esporte mais popular do mundo e fez da Fifa uma entidade bilionária e com mais sócios que a ONU exatamente por conta do brilhantismo de alguns poucos jogadores. Na memória dos amantes do futebol não estão nomes como o do italiano Gentili, campeão do mundo em 1982; de Márcio Santos, que foi titular em todos os jogos da campanha brasileira de 1994; ou do britânico Norbert Stiles, responsável por marcar Eusébio na semifinal de 1966, que acabou levando a Inglaterra à final contra a Alemanha e ao título. Estão lá, guardados com carinho e admiração, jogadores que saíram dos Mundiais derrotados, mas que deram vida, cor e, principalmente, alma ao esporte. Zico, o húngaro Puskas e o holândes Cruyff são alguns “gênios” que estão neste seleto grupo de ídolos sem título. A Fifa sabe que tem uma grande dívida com estes e outros mestres do futebol e, por certo, deve estar alarmada com a homogeneização deste Mundial. Mas ainda há esperança. Nos primeiros minutos contra a Coreia do Norte, Robinho mostrou algumas pitadas do futebol brasileiro. Nada a empolgar, até porque o atacante santista precisou mudar de posição para suprir a carência técnica de Kaká na ligação com o ataque. O Brasil, a julgar pela estreia, dá mostras de que em vez de encantar o mundo, como fez em outros Mundiais, jogará o Mundial como todo mundo.

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