Parece roteiro de ficção, mas é pura ciência – com uma pitada de curiosidade. Por trás das letras do manuscrito “Código sobre o Voo dos Pássaros”, um dos textos mais famosos de Leonardo da Vinci (1452-1519), há um autorretrato inédito do gênio italiano enquanto jovem. O documento foi escrito entre 1490 e 1505, mas só agora, depois de cinco séculos, alguém percebeu que, além de estudos analíticos sobre a estrutura de um voo, havia ali algo a mais. A descoberta acontecu por acaso: quando o jornalista italiano Piero Angela, estudioso de Da Vinci, foi dar mais uma olhada no fac-símile do texto que já conhecia e fica guardado na Biblioteca Ambrosiana, de Milão. Reparou em algo na décima página: um borrão vermelho em forma de nariz – e, aparentemente, um rosto suavemente escondido sob o texto.

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EQUIPE Técnicos de tevê resgataram o rosto escondido e cirurgiões e peritos forenses ajudaram a envelhecê-lo

O jornalista seguiu para os estúdios gráficos da Rai, emissora de tevê italiana na qual trabalha, e ali foi iniciado um minucioso esforço de restauração. Os designers da Rai trabalharam com micropixels para clarear o espesso texto preto, até que ficasse no mesmo tom do papel. Descobriu-se que havia ali um rosto de um homem por volta de 30 anos, com pouca barba e quase sem rugas. Quem seria ele? Inicialmente, a equipe desconfiou que a imagem fosse de alguma pessoa já retratada por Da Vinci, mas não houve correspondência. Intrigado com a semelhança daquele rosto com o autorretrato que o artista fez por volta de 1512, pouco antes de morrer, Angela encabeçou uma investigação policialesca. Foram recrutados médicos cirurgiões, peritos forenses e até policiais para comparar a imagem com o conhecido autorretrato feito em giz vermelho sobre papel. A técnica utilizada foi a reconfiguração facial: ao rosto jovem recém- descoberto foram acrescentadas rugas, e o antigo autorretrato foi rejuvenescido.

“Quando tentei envelhecer o rosto, colocando nele o cabelo e a barba do autorretrato famoso, um arrepio percorreu minha espinha. Parecia um irmão gêmeo de Leonardo”, disse Angela. A descoberta, anunciada como a primeira aparição de Da Vinci enquanto jovem, foi apresentada em um especial na Rai. No início de fevereiro, porém, outro italiano já havia anunciado a descoberta de um possível autorretrato de Da Vinci quando jovem – e, coincidentemente, também foi por acaso. O historiador italiano Nicola Barbatelli pesquisava o acervo de uma família rica no sul da Itália e encontrou um retrato de um homem, feito no século XVI. A família acreditava que o retratado era Galileu Galilei, mas o especialista identificou semelhanças com outro retrato de Da Vinci. “A postura, o estilo e a técnica lembram o retrato de Leonardo”, disse Barbatelli. A imagem foi encaminhada para análise.