SALA DE ESPERA Na tela O divã, de 1893, quatro prostitutas aguardam os clientes sentadas no sofã.
O salão de entrada era de um famoso bordel da Rue des Moulins, numa região chique da Paris da época

Pintores de todo o mundo e de todos os tempos sempre retrataram cortesãs – e isso já rendeu obras-primas como, por exemplo, a magistral tela Les demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso. Poucos artistas, no entanto, pintaram essas mulheres de forma tão humana como o fez Henri-Marie-Raymonde de Toulouse-Lautrec (1864-1901). Boêmio e assíduo freqüentador das chamadas maisons closes (casas fechadas) da efervescente Paris do fin-du-siècle, Lautrec flagrava as profissionais do sexo em suas situações mais corriqueiras – no toalete, trocando de roupa ou despertando. Uma das obras mais marcantes dessa série à qual ele se dedicou com paixão pertence ao acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Trata-se de O divã, óleo sobre papelão (1893), que mostra quatro prostitutas elegantemente vestidas e penteadas no salão de espera de um bordel da Rue des Moulins, área chique de Paris. Essa e outras dez obras estão agora na mostra Toulouse Lautrec – o artista do instante, no próprio Masp.

Em suas telas, Lautrec gostava de dispor as mulheres em círculo – e elas são geralmente rechonchudas e para lá de balzaquianas. Sobre isso, o crítico de arte Luiz Marques escreveu: "Magnificamente desenhada é a composição dessa cena de carrossel, com as três figuras imersas no veludo do imenso divã, enquanto uma quarta apressa-se a sair do campo visual." Do mesmo gênero é o óleo sobre cartão chamado Duas mulheres de camisola (1891), que exibe uma mulher de costas, num enquadramento mais fotográfico e menos afinado à tradição da pintura. Como se sabe, a invenção da fotografia e a captação do instantâneo revolucionaram a arte da época, especialmente o impressionismo, que passou a recortar as cenas levando em consideração o prolongamento do espaço para além dos limites do quadro. Esse novo ponto de vista é flagrante no pastel Monsieur Fourcade (1889), que mostra o banqueiro avançando e "lançando-se" para fora do quadro – sendo que ao fundo os convidados do baile aparecem desfocados e anônimos.

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Fato comum em muitas obras de Toulouse-Lautrec, também em Monsieur Fourcade as pernas do personagem de primeiro plano são mostradas do joelho para cima. Há quem insista em afirmar que essa "atitude artística" de Lautrec devia-se a sua deficiência física – após duas fraturas nas pernas no final da infância, o artista (que adorava esportes) sofreu uma espécie de atrofia e sua altura estacionou no 1,52 metro. Também há, no entanto, estudiosos de sua obra a sustentar que tudo isso é bobagem. Segundo eles, ao mostrar as pessoas no chamado "plano americano", Toulouse-Lautrec buscava se alinhar à modernidade captando a vida frenética da metrópole que a belle époque parisiense traduziu como poucas.

Mais que nas ruas, foi no interior de cabarés e prostíbulos que Toulouse-Lautrec buscou registrar essa agitação, a "apoteose da vida moderna". Um dos locais mais famosos era o Moulin Rouge, que ele retratou também no primeiro cartaz de rua da história. Dessa produção efervescente, o Masp exibe Artista com luvas verdes, têmpera e litografia sobre cartão (1891), mostrando a artista inglesa Miss Dolly, que se apresentava no Café Star, do porto normando de Le Havre. Na exposição pode-se apreciar também A bailarina Loïe Fuller vista dos bastidores – a roda (guache de 1893), retratando uma dançarina no teatro de revista Folies Bergère, no bairro de Montmartre. Nessa época, o amante da boemia parisiense já padecia de doenças e dificuldades decorrentes do alcoolismo e em 1900 ele foi internando numa clínica pelo amigo Paul Viaud, pintado no grande óleo que abre a mostra. Toulouse-Lautrec sempre tinha à mão uma bebida, despejada e escondida no interior de sua pequena bengala.