Quantas vezes você já viu imagens como esta abaixo publicadas na imprensa? Pois é. O Brasil continua miserável, sim. A mulher da fotografia é Silvana Gomes da Silva, 37 anos, desempregada, mãe de oito filhos – Bárbara, a mais nova, tem menos de um mês; e Tatiana, a mais velha, completou 16 anos. Essa família de nove pessoas divide um cômodo de três metros quadrados, em Itinga, no Vale do Jequitinhonha (MG). A fome ronda o pequeno barraco, que abriga três camas e uma televisão antiga. “Quando aperta, os meninos pedem na rua. Não é bom, né? Mas ficar sem comer… dormir de barriga vazia é duro”, queixa-se Silvana. E sentencia: “Minha vida nunca melhorou. Pelo contrário.” Em outubro, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, revelou que a miséria aumentou 1% em 2003, primeiro ano de Lula na Presidência, o que não acontecia desde 1998. De lá para cá, o índice apenas caía. Seria fácil dizer que o triste quadro é resultado de pura incompetência do governo. No entanto, a principal culpada foi a recessão do ano passado, dizem em coro os especialistas. Em 2004, com um crescimento superior a 5%, a miséria certamente não aumentou. Mas a diminuição significativa desse drama que maltrata 47 milhões de pessoas, quase um terço da população, só será possível se o governo Lula priorizar a política social nos próximos dois anos. Para saber a quantas anda a miséria brasileira, nossa velha conhecida tão cantada em verso e prosa, ISTOÉ esteve em duas cidades visitadas pelo presidente em sua primeira viagem oficial, em 2002. Ao lado de 25 ministros, ele passou pelo Recife e por Itinga, onde foi ovacionado no embalo da grande expectativa que sua chegada ao Planalto gerava nos mais carentes. Hoje, alguns dos que o aplaudiram estão a caminho de deixar a miséria. Mas muitos vivem na mesma situação.

A cidade de Itinga pode ser tomada como um retrato da realidade brasileira nos rincões mais pobres do País. Metade da população de 14 mil habitantes não possui rendimentos, segundo o IBGE. Entre os “sortudos” empregados, a renda média é de R$ 208. Além da pobreza, os habitantes carecem de serviços básicos: não há hospital, a rede de esgoto atinge apenas 120 domicílios e o abastecimento de água chega a 1.738 casas. Encravada numa das regiões mais pobres do País, Itinga ainda sofre com a seca na maior parte do ano e o êxodo dos homens que, em busca de trabalho, abandonam famílias à própria sorte.

Portanto, Silvana não é a única a viver na  penúria. Ela sobrevive do dinheiro do Bolsa-Família, R$ 70 mensais. Já que pertence ao programa de transferência de renda mais importante do governo federal, esperava-se que sua família progredisse. Mas algo está saindo errado. Apenas três de seus cinco filhos em idade escolar frequentam o colégio. E Letícia, nove anos, não sabe ler. “Fico sempre de castigo porque não tenho lápis”, conta a menina. O dinheiro não é suficiente, diz a mãe. Desiludida e resignada, faz seu próprio diagnóstico: “Só mesmo Deus para tomar conta da gente.” Segundo a FGV, a renda subirá 16% para cada ano de estudo. Daí, conclui-se o que já soa como obviedade: a educação é um dos caminhos para a redução da pobreza. Junto com ela vêm o crescimento e, principalmente, o combate à desigualdade.

Fosso – O Brasil continua ostentando vergonhosos índices de distribuição de renda: está entre os quatro países mais desiguais do mundo. A velha máxima de que é preciso “esperar o bolo crescer para depois reparti-lo” já não pode servir mais. Nosso Índice de Gini é 0,58 (quanto mais próximo de 1, mais desigual). E é fato que uma igualdade maior de renda por si só levaria à diminuição da miséria, até sem crescimento. Em dezembro, o secretário executivo da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe, da ONU), José Luis Machinea, disse que “as taxas de pobreza não recuam mais rapidamente porque existe um fosso entre ricos e pobres”. Segundo seu relatório, a tendência é de aumento da desigualdade latino-americana. Mas no Brasil o quadro é mais otimista. A FGV diz que o País apresenta melhora a partir de 2001: os 10% mais ricos, que antes se apropriavam de 47,3% da renda, hoje ficam com 45,7%. “Os dados nos mostram uma leve tendência de queda”, diz Francisco Ferreira, economista e pesquisador do Banco Mundial.