Todo final de ano é a mesma coisa: o pensamento e a filosofia solidária de Jesus Cristo crescem no imaginário coletivo em meio à comilança natalina. As cenas do bom velhinho distribuindo presentes dão rosto à simbologia da data de nascimento do filho de Deus para os cristãos de todo o mundo, incluindo pelo menos 90% dos brasileiros. E o eixo comum de todas as igrejas cristãs – católica, batista, adventista, presbiteriana, luterana, ortodoxa, anglicana, metodista, neopentecostais e outras – é justamente a fé em Cristo. Um sinal claro de que a fé no messias saiu praticamente ilesa dos diversos cismas e divisões políticas ocorridos desde que o apóstolo Pedro tornou-se o primeiro papa, no século I.

O ano 2.004 foi movimentado. Logo em seu início, o filme A paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson, provocou polêmica ao levar às telas uma interpretação literal dos Evangelhos, que renega as modificações progressistas introduzidas pelo Concílio Vaticano II há mais de 40 anos. “O filme mostra uma teologia do sacrifício exagerada e coloca os judeus como bode expiatório. É uma postura perigosa”, acredita o teólogo luterano Mozart Noronha. Jesus também é uma das figuras centrais do maior sucesso editorial do ano, O Código Da Vinci, do americano Dan Brown. Com mais de 420 mil exemplares vendidos por aqui, o livro, que será filmado, retrata Jesus como um homem casado com Maria Madalena e pai de filhos. Esse lado humano, carnal, teria sido acobertado pela Igreja e pela instituição conservadora católica Opus Dei. Essas ficções conspiratórias não são novas nem empolgam os especialistas, mesmo porque os registros do nascimento, da vida e das pregações de Jesus praticamente não existem fora dos Evangelhos.

O escritor russo Dostoiévski escreveu certa vez: “Se Deus não existe, então tudo é permitido.” E a ciência busca essa liberdade. O biólogo molecular Dean Hamer, do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, lançou o livro The God gene: how faith is hardwired into our genes (algo como O gene de Deus: como a fé está introjetada nos nossos genes), que relata seu estudo sobre a ligação entre espiritualidade e DNA. O livro, que foi capa da revista Time, mostra que uma
variação no gene VMAT2 está intrinsecamente ligada a uma maior ou menor espiritualidade. E a espiritualidade é o passo primordial para a fé. Como seria Cristo hoje? Discutido, contestado, presente e nem sempre adorado. Essa é a opinião de Ivo Lesbaupin, pesquisador do instituto de pesquisas religiosas ISER Assessoria: “Em Os irmãos Karamázov, Dostoiévski conta a lenda do Grande Inquisidor, um cardeal católico que encontrou, no século XIX, uma reencarnação de Jesus. O filho de Deus trouxe tantos problemas para a Igreja que o cardeal o prendeu. Na primeira conversa, o Grande Inquisidor disse: ‘Estava tudo azeitado, todo mundo aceitando as coisas e vem você criar caso…’” O pesquisador não esconde o pessimismo: “Hoje seria exatamente assim.”