Embora a diversidade tenha sido a marca da 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na semana passada no Ceará, o projeto de transposição de águas do São Francisco para quatro Estados do Nordeste ocupou parte fundamental das atenções. Não era para menos. Com o tema Do sertão olhando o mar: cultura & ciência, a reunião aconteceu às vésperas da abertura de licitação para as obras, prevista para a quinta-feira 28. Convidado para o encontro, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, defendeu o projeto, que consiste na construção de dois canais para levar as águas do rio para regiões mais castigadas pela aridez. “Isso é só 1,4% da vazão mínima na foz do rio”, ressaltou. Os que se opõem ao projeto alegam que a transposição degradaria o São Francisco. O discurso de Ciro Gomes chegou a ser interrompido pela professora Yvonilde Medeiros, da Universidade Federal da Bahia. Uma de suas preocupações é a compensação às comunidades da bacia doadora. Na discussão, a professora passou a atacar o governo federal, questionando quais seriam os verdadeiros beneficiários do empreendimento.

A mescla entre ciência e política não é novidade na SBPC. Durante os anos de chumbo (1964-1985), os encontros da sociedade muitas vezes serviram de palco para a resistência à ditadura militar. Desta feita, nem a prefeita de Fortaleza, a petista Luizianne Lins, deixou a ocasião passar em branco. “Nesses tempos de céus de cinzas e chumbos, nós precisamos de árvores desesperadamente verdes”, disse, citando o poeta Mário Quintana. Na defesa do verde, destacou-se o biólogo Adalberto Luís Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Em levantamento feito nas mais conceituadas publicações do mundo, Val concluiu que o conhecimento científico sobre a Amazônia está concentrado nas mãos de estrangeiros. Entre janeiro e abril de 2004, por exemplo, apenas 22% dos estudos publicados sobre a floresta eram de pesquisadores radicados no Brasil. “A única forma de termos o domínio daquela região é estudá-la”, afirmou Val. “Quando temos de comprar de fora os dados científicos que foram coletados aqui dentro, a nossa soberania fica em risco.”