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Claude Lévi-Strauss

Poucos homens alcançam o patamar do gênio na atividade que desempenham. Mais raros ainda são os que conquistam a unanimidade. Nessa seletíssima lista estão gente como Albert Einstein, Pelé, Ludwig von Beethoven, Paulo Autran, Michael Jackson. E Claude Lévi-Strauss. O antropólogo belga, considerado um dos maiores intelectuais do século passado, dedicou a vida à delicada e árdua tarefa de entender o homem. Falecido na sextafeira 30, aos 100 anos e a menos de um mês de completar seu centésimo primeiro aniversário – seria no próximo dia 28 -, Lévi-Strauss fez o que todo gênio tem de fazer para receber esse título: quebrou paradigmas, criou novas teorias, rompeu barreiras. E o Brasil teve papel fundamental para que ele se tornasse um imortal.

Desbravando os rincões do nosso país, pelas matas da Amazônia e pelas planícies alagadas do Pantanal, o garoto nascido em Bruxelas e criado em Paris tornou-se o genial Claude Lévi-Strauss. O antropólogo que, ainda sob o calor do fim da Segunda Guerra Mundial, abriu os olhos do mundo em relação ao absurdo que era a ideia de um homem ser considerado melhor do que outro simplesmente pela cor da sua pele ou região na qual havia nascido. E fez isso a partir de sua vasta experiência com povos indígenas da Amazônia, que estudou entre 1935 e 1939.

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Na Selva Lévi-Strauss numa de suas expedições à Amazônia, em 1936

Encontro com o mestre
A antropóloga argentina Florencia Ferrari, 33 anos, é editora da revista "Sexta-Feira – Antropologia e Arte", coordenadora de antropologia da editora Cosac Naify e autora do livro "Palavra Cigana – Seis Contos Nômades". Apaixonada pela obra de Claude Lévi-Strauss, ela pôde conhecer o antropólogo belga há cinco anos, em Paris.

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"Quando o conheci, ele já tinha 95 anos. Mas falava com muita vivacidade"

ISTOÉ – Como foi seu encontro com Lévi-Strauss?
Florencia Ferrari –
Em 2004 eu tinha trabalhado na edição brasileira do livro "O Cru e o Cozido", de autoria de Lévi-Strauss. Na época, estava indo a Paris e pedi para ter um encontro com ele. Já estava com 95 anos, tinha um aspecto frágil, mas falava com muita vivacidade. Houve até uma conversa engraçada. Eu queria publicar outras obras dele no Brasil, e ele perguntava que obras eu pretendia editar. Quando eu dizia os títulos, ele respondia: "Esse não", "Esse eu não gosto", "Esse não deve ser publicado". Até que perguntei: "O sr. não vai me deixar publicar mais nenhuma obra sua?". Ele respondeu: "Não."

 

ISTOÉ – Na sua opinião, qual a obra fundamental de Lévi-Strauss?
Florencia – Cada obra dele é particular e única em seu objetivo. A que eu acho mais marcante é "Mitológicas", em que ele, ao abordar mais de 800 mitos, leva a análise do pensamento mítico ameríndio à exaustão.

ISTOÉ – E "Tristes Trópicos", considerada a obra-prima dele?
Florencia –
Não cheguei a fazer um estudo de "Tristes Trópicos". O interessante dessa obra é que foi escrita logo depois que Lévi-Strauss não foi admitido no Collège de France. Decepcionado, ele escreveu com muita liberdade. É um texto mais literário do que acadêmico.

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Formado em direito e em filosofia, Claude Lévi-Strauss não tinha medo de arecer chato ou arrogante. Ao mesmo tempo, demonstrava humildade e gratidão sinceras. Quando todos rasgavam elogios à beleza do Rio de Janeiro, ele declarou não ter achado a cidade tão maravilhosa assim: "Sinto-me embaraçado para falar do Rio de Janeiro, que me desagrada, apesar de sua beleza celebrada tantas vezes." Por outro lado, falava das matas brasileiras e de seus selvagens habitantes com admiração e respeito comoventes. Tudo isso está bela e fartamente documentado no livro "Tristes Trópicos", que lançou em 1955, considerado a bíblia da antropologia contemporânea. Curiosamente, um dos fatores que permitiram ao acadêmico Lévi-Strauss empregar um estilo mais lúdico de escrita em "Tristes Trópicos" foi justamente algo que soa absurdo hoje em dia – como saber que Pelé foi rejeitado pelo Palmeiras, antes de se tornar ídolo no Santos. "’Tristes Trópicos’ foi redigido logo após Lévi-Strauss não ser admitido no Collège de France. Decepcionado, escreveu a obra com muita liberdade", analisa a antropóloga argentina Florencia Ferrari, que conheceu Lévi-Strauss há cinco anos, em Paris (leia quadro acima).

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Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele"
Claude Lévi-Strauss

Com seus pensamentos inovadores, ele influenciou toda uma geração de antropólogos – e continua influenciando. "A obra de Lévi-Strauss me converteu à antropologia", diz o paulista Gabriel Pugliese, 26 anos, mestre em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP). Professora de antropologia da PUC, em São Paulo, a mineira Mariza Werneck, 60 anos, acrescenta: "O trabalho de Lévi-Strauss sobre os índios brasileiros ampliou nossa visão sobre nós mesmos." Já a antropóloga paulista Sylvia Caiuby Novaes, 60 anos, exdiretora do Departamento de Antropologia da USP, teve uma experiência da qual jamais se esqueceu. No final dos anos 80 ela assistiu a uma palestra de Lévi-Strauss, na USP, onde o antropólogo lecionou na segunda metade dos anos 30: "Foi impactante. Ele era uma figura imponente e, ao mesmo tempo, um homem muito doce." Outro ponto importante na vida e na obra desse grande pensador: mesmo tendo o homem como objeto principal de seus estudos – ou exatamente por isso -, era um apaixonado pela natureza. Defendia o meio ambiente e os animais numa época em que esse tipo de posição ainda não era moda. Uma de suas mais célebres frases reflete isso com perfeição: "Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele." Palavras de um gênio.