Nos 2.004 anos a serem fechados nos próximos dias, a história de Jesus foi contada, recontada, romanceada, adaptada e interpretada de várias formas, da fidelidade dos santos discípulos do Evangelho à elegância blasé de Norman Mailer, do rigor de José Saramago ao radicalismo sádico e movido a sangue de Mel Gibson. Uma marca comum a quase todas essas versões é a história contada do ponto de vista dos homens. Mas um dos lançamentos interessantes do mercado editorial brasileiro é O Evangelho segundo Maria (Relume Dumará, 282 págs., R$ 36), do pesquisador baiano Armando Avena, um livro de ficção que apresenta a trajetória do Filho de Nazaré narrado pelas duas principais mulheres que o rodearam: sua mãe, Maria, e a purificada Maria da cidade de Magdala, a Madalena.

Neste romance, que virou peça de teatro, Jesus assume dimensão humana  e frágil. As situações têm contraponto no texto bíblico. O capítulo “Mãe”
mostra Maria firme, sempre disposta a alertar o filho sagrado nos momentos decisivos. “Mulher” exibe Madalena sedutora, livre, inconformada e, mais
tarde, uma espécie de mentora intelectual de Cristo. “Dar filhos aos homens, esse é o único papel destinado às mulheres de Israel e contra ele rebelei-me por toda minha vida, mesmo quando em meu leito dormiram homens a quem amei”, diz num trecho. “E Jesus habitou a minha casa. Juntos, falamos de amor e ódio, homem e mulher, submissão e liberdade, Deus e demônio. Juntos, dividimos o leito e a mesa, e passeamos pelo mar da Galiléia.” A mistura de ousadia, desafio e beleza faz deste Evangelho boa opção de leitura.