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EM FAMÍLIA
Eric Nepomuceno e o filho Felipe: parceria com bons resultados

Talk shows, os populares programas de entrevistas, traem a sua boa fórmula quando o entrevistador se coloca no papel da estrela e rouba a cena do convidado. Esse pecado está ausente em “Sangue Latino”, atração do Canal Brasil nas noites de terça-feira. Seu apresentador, o escritor e tradutor Eric Nepomuceno, quase não aparece em cena. Deixa os entrevistados falar à vontade. E como seus interlocutores – todos nascidos em países latino-americanos – são pessoas de boa prosa e com muita coisa a dizer, o resultado são momentos de puro prazer. No programa de estreia, quem se mostrou mais uma vez bom de papo foi o cantor e escritor Chico Buarque: bastante solto, ele discorreu sobre a passagem do tempo e sobre a sua oposição à ditadura militar, lembrando fatos e detalhes hilariantes como o carimbo de seu passaporte na época, que trazia a advertência: “Não é válido para Cuba”.

Além de Chico, já foram entrevistados o escritor uruguaio Eduardo Galeano (autor de “As Veias Abertas da América Latina”) e o escritor chileno Antonio Skármeta, conhecido pelo romance “O Carteiro e o Poeta”. Outros nomes escalados para os 18 programas são o cineasta uruguaio Pablo Stoll, de “Whisky”, o artista plástico argentino León Ferrari, um dos maiores em atividade, e o cineasta Claudio Piñeyro, de “Plata Quemada”, também da Argentina. Cinco personalidades brasileiras estão previstas na lista de convidados, mas ainda não foram definidas por Eric e seu filho Felipe, o dono da ideia. Documentarista, ele dirige outra atração do Canal Brasil, “Estúdio 66”. O curioso é que, ao desenvolver o projeto, Felipe se esqueceu de dizer que as gravações seriam em preto e branco, uma opção arriscada para a tevê. Mas, diante do resultado, não houve nenhuma restrição por parte do canal. Nem em relação às pessoas selecionadas. “Nunca trabalhei com tanta liberdade”, diz Eric.

Além de dar um caráter atemporal à conversa, a fotografia em claro-escuro tira o depoimento do plano jornalístico. O lado autoral prevalece. “Nosso objetivo não é fazer uma entrevista, mas oferecer um perfil do convidado privilegiando o tom documental. O propósito é apresentá-lo ao público.” Grande parte dos artistas e intelectuais selecionados é de antigos conhecidos de Eric, tradutor de Gabriel García Márquez e bastante familiarizado com a realidade latino-americana – que ele chama de “a velha máfia”. Natural, portanto, que os programas ganhassem um tom político, especialmente com nomes como os de Galeano, Ferrari ou Eduardo Duhalde, “espécie de Paulo Vanucchi da Argentina”, como diz Eric. “Os países da América hispânica são extremamente politizados. Eles têm vergonha na cara, discutem o passado de maneira saudável”, diz ele. Essa consciência política não se dá apenas nos esquerdistas da geração de 68, mas também nos jovens artistas, como o diretor uruguaio Stoll. Eric, contudo, afasta qualquer tentativa de militância em seu bate-papo de alto nível: “Não me interessava falar só de literatura ou política. A série é sobre a América Latina hoje.”

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