A atriz diz que a maternidade é complicada, revela seus traumas e conta que gosta de papéis de vilã porque a maldade não tem ética

A atriz Cássia Kiss comemora três décadas de carreira interpretando no palco uma personagem que, transposta à vida real, tem muito a ver com a sua própria história – dramas, dores, dúvidas e inquietação emocional. Mais ainda: a personagem é uma mulher autoritária. Vai-se além: a personagem é mãe. Cássia, 51 anos, admite que está revivendo considerável porção de sua infância e juventude, e nada melhor do que isso para festejar não apenas a bem-sucedida carreira, mas, também, a guinada que deu em sua vida pessoal – e nessa mudança está incluído o seu próprio papel de mãe, a maneira geral de olhar a vida e a sua convivência com a instabilidade do humor. Após uma breve interrupção durante os feriados do Carnaval, Cássia reestreia na sexta-feira 13, em São Paulo, a peça Zoológico de vidro, um dos clássicos do dramaturgo americano Tennessee Williams.

ISTOÉ – Há sete anos a sra. não pisa um palco e há quase duas décadas não atua em São Paulo. Como está sendo o retorno?

Cássia Kiss – São Paulo está em ascensão, ao contrário do Rio de Janeiro, onde eu moro há quase 30 anos. O Rio de Janeiro está na mais profunda decadência. É uma diferença estonteante.

ISTOÉ – Como se sente na condição de recém-casada aos 51 anos?

Cássia – Estou casada há quatro meses e esta é a primeira vez na minha vida que eu uso aliança. Encontrei luz no fim do túnel. Essa é a imagem que faço da minha atual relação.

ISTOÉ – A sra. é mãe de quatro filhos. Como lida com a maternidade?

Cássia – Eu acho que ter tido filhos mais madura me ajudou. Atualmente, estou mais tranquila, observo mais. Eu vejo que eles são pessoas bem diferentes entre si e precisam muito da minha presença e da minha palavra. Por um bom tempo eu achei que eles mereciam palmadas. Hoje tenho certeza de que não merecem. Não é com pancada que se educa.

ISTOÉ – A sra. pensava diferente?
Cássia – Enfiei a mão na bunda do Joaquim e da Maria Cândida (os mais velhos, hoje com 13 e 11 anos, respectivamente). A palmada é o pior castigo. Agora sou uma mulher de 2009 e quero estar voltada para o futuro e nunca para o passado. Bater em criança é coisa do passado.

ISTOÉ – É rigorosa na educação?

Cássia – Sou firme. Mas não tenho sonho para os meus filhos, não planejo nada para eles. Nada. Não tenho expectativas. E cometo erros. Quer ver um supererro que eu cometi? Em 2008 coloquei minha filha numa escola que ela não queria. Resultado: foi reprovada. Aprendi a lição.

 

"Quando eu e o Antonio Fagundes atuamos juntos, uma cena nunca parou porque ele esqueceu o texto. Era eu quem esquecia. Ele dizia: ‘Estude o seu texto"

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ISTOÉ – A sra. ainda é vegetariana?

Cássia – Sim. Eu não tenho carne em casa, deixei de comer carne já na adolescência. Eu fui muito radical.

ISTOÉ – Por quê?

Cássia – Fiz experiências louquíssimas: dez dias de jejum absoluto. Cinquenta dias comendo só arroz integral. Durante muitos anos, eu passava um dia por semana em jejum. Eu fui kikuchiana (referência ao japonês Tomio Kikuchi, que propõe uma alimentação macrobiótica). Eu trouxe uma cozinheira de um restaurante do Kikuchi de Belo Horizonte e ela cozinha para minha família até hoje.

ISTOÉ – Foi uma busca espiritual ou necessidade estética?

Cássia – Eu não tenho muitas buscas espirituais, prefiro um caminho mais simples. Comecei a comer arroz integral depois de experimentá-lo na casa de um amigo. A decisão não teve nada a ver com espiritualidade. Teve a ver com meu intestino mesmo, que passou a funcionar. Não deixei de comer carne porque tenho pena da vaquinha.

ISTOÉ – Como foi revelar que sofria de bulimia e de transtorno bipolar?

Cássia – Foi interessante perceber que é comum encontrar gente com algum tipo de transtorno. Às vezes, conheço alguém e penso: essa pessoa precisa de ajuda. Falar publicamente da minha bulimia e da minha bipolaridade foi o caminho que encontrei para também auxiliar outros indivíduos. É imenso o número de gente que me procura, que quer saber o nome do meu psiquiatra. Gente que está sofrendo ou tem problemas com marido ou filhos.

ISTOÉ – A sra. brigou muito com a psiquiatria?

Cássia – Não, mas demorei para achar um profissional do qual eu gostasse. Eu me lembro de ter ido a uma consulta com um psicanalista e de ter ficado ali na frente dele por uns 15 minutos. Ele não falou nada. Daí eu me levantei e fui embora irritada. Que diabo de psicanalista é esse que não fala coisa nenhuma? Mas hoje tenho um psiquiatra e um psicanalista. Eu preciso muito deles.

ISTOÉ – E o tratamento?

Cássia – A vida se descortinou. É como se pegassem uma brocha de tinta e dessem uma pincelada no mundo, e então ficasse tudo colorido. É exatamente isso o que aconteceu. O medicamento me trouxe equilíbrio.

ISTOÉ – Que tipo de problemas esse transtorno causou para a sra.?

Cássia – Eu sempre gostei da verdade, mas eu não tinha muito critério. Dizia verdades agressivas às pessoas. Machuquei muita gente. O meu desequilíbrio era exatamente a bipolaridade – uma hora está-se eufórica, outra hora está-se na depressão total. Na euforia eu saía pedindo desculpas para todo mundo, mandando flores. Era uma mão-de-obra do cão. Eu tinha de encontrar caminhos para poder me desculpar com as pessoas e nem sempre elas me desculpavam. Quando estava bem, não construía nada, só tentava consertar o que tinha destruído no período anterior, em que estava mal. Fui muito impulsiva e saía comprando um monte de coisas e depois via que não queria nem precisava de nada daquilo. A bipolaridade provoca isso, e esses dois extremos são destruidores.

ISTOÉ – O que mudou em sua vida?

Cássia – O medicamento arruma isso. O que me deprimia, agora passa batido. Falo melhor. Encontrei o caminho do meio e faço mais felizes as pessoas à minha volta. E só aprendi a fazer isso com a medicação.

ISTOÉ – Fale de suas personagens.

Cássia – Os personagens só somaram para mim. Nenhum deles me subtraiu ou me destruiu. Pelo contrário, sempre me fortaleceram. E me agrada a mulher que eu sou hoje e eu devo isso a todas as personagens que interpretei. Surfei em universos muito distintos. Eu matei sete personagens numa novela (como Adma, em Porto dos milagres, da Rede Globo). E eu adorava. A maldade não tem compromisso, não tem ética. É uma delícia não ter compromisso com nada. Compromisso dá trabalho. Eu tenho compromisso com meus filhos. E, nesse sentido, ser mãe é uma grande meleca.

ISTOÉ – Como é interpretar Amanda, essa mãe superprotetora e sufocante?

Cássia – Temos em comum o amor pelos filhos, o fazer tudo pela felicidade deles, e errar muito. Eu erro, mas reconheço que errei. Amanda, não. Ela aprisiona esses filhos e não admite isso. Beira a loucura de tanta inteligência e se agarra convicta ao seu passado glorioso com seus 17 pretendentes.

ISTOÉ – A sra. construiu uma Amanda com muito humor.

Cássia – Ela é muito sarcástica, eu quis colocar humor porque é tudo muito pesado. Em nenhum momento quisemos passar a mão na cabeça da plateia. E mesmo assim o público ri. Ri quando a Amanda diz assim: "Uma mãe abandona uma filha solteira, aleijada e sem emprego."

ISTOÉ – Essa personagem mexeu com fatos de sua vida. Mexeu na convivência com sua mãe?

Cássia – Sim, mexeu muito. Muito mesmo. Eu tive uma infância muito difícil, não existia diálogo, tinha pancada. Era a cultura da pancada. E isso é muito ruim. Saí muito cedo de casa e aprendi muita coisa sozinha na cultura da rua. Por isso, a maternidade ainda é um tema delicado para mim.

ISTOÉ – Como foi essa saída de casa?

Cássia – Antes de ir embora, disse à minha mãe: Acho que é melhor a gente se separar. Ela respondeu: também acho. Eu perguntei: posso levar meu colchão? E ela disse que sim.

ISTOÉ – Saiu só com o colchão?

Cássia – Saí só com o colchão e uma malinha. Mas foi ótimo. Eu sinto que perdoei minha mãe e minha mãe me perdoou. A gente está bem. Tem coisas que não se resolvem nem ao longo de 40 anos. A pancada traumatiza. Minha mãe me deixou marcas profundas e tenho certeza de que elas não vão se fechar. Eu estou ótima, mas existem coisas que não vão cicatrizar. Fazem parte de mim.

ISTOÉ – A sra. revelou ter fumado maconha e ter tomado outras drogas. Como lida hoje com isso?

Cássia – Eu usei drogas e parei sozinha. Eu disse chega. Uma certeza que tenho é de que a gente pode tudo no mundo, só precisa saber a medida das coisas. Será que faz bem cheirar cocaína todos os dias? Será que uma hora não se vai quebrar a cara? Ou será que é isso mesmo que se quer? Eu gosto de questionar as coisas. Com controle, pode-se tudo. Se eu comer cinco tigelas de arroz integral, vou arrebentar o meu fígado. A medida de tudo é o importante.

 

"Em Meu nome não é Johnny, com Selton Mello, eu interpretei uma juíza. Mas acho chato fazer cinema. Gosto de participações breves. A espera toda me cansa"

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ISTOÉ – A sra. teve uma participação pequena, mas muito marcante em Meu nome não é Johnny. Tem novos planos para o cinema?

Cássia – Eu serei uma pajé no filme Amazônia caruana, de Tizuka Yamazaki. A história é bonita. No filme Meu nome não é Johnny, eu interpretei a juíza que cuida do caso do traficante João Guilherme Estrella. Mas acho muito chato fazer cinema. Gosto de fazer participações breves, rodar dois ou três dias. A espera toda me cansa. Fazer tevê é difícil, mas eu adoro. A gente grava 40 cenas por dia, tem de treinar rápido e estar pronto.

ISTOÉ – A sra. tem facilidade em memorizar textos?

Cássia – Eu sofro. Memorizo fotografando com os olhos, com imagens. Por exemplo, tem uma fala na peça que é assim: "você sabe como ela é, sempre tão quieta." Esse "tão quieta" só me vem quando eu vejo as palavras. Eu preciso visualizar, senão, não vem. Ela tem de aparecer na minha frente. E aparece. O Antonio Fagundes é que tem uma facilidade incrível – ele fotografa tudo. Quando atuamos juntos, uma cena nunca parou porque ele esqueceu o texto, mas porque eu esquecia. E ele olhava para mim com aquela cara feia e dizia: "Estude o seu texto." E a gente dava umas risadas. Ele é meu irmão hoje.

ISTOÉ – Mudando de assunto, pergunta inevitável: acredita que Barack Obama na Presidência dos Estados Unidos é sinal de mudança no planeta?

Cássia – Acho que o mundo inteiro vai ter de ajudá-lo. Eu tenho admiração pelos EUA.

ISTOÉ – E o Brasil hoje?

Cássia – Lula que me desculpe, mas nós não temos uma primeira-dama. E me incomoda o português errado que ele fala. Lula tem uma carreira política de mais de 30 anos, podia ter cursado umas três boas faculdades. Posso estar dizendo bobagem, mas é nisso que eu acredito. Acho que Marisa também podia prestar um vestibular, fazer um curso. São atividades que dão bom exemplo, são modelos de construção. É nesse sentido que Lula e esposa tinham de ser bom exemplo para nós.

 

 

ISTOÉ – Há sete anos a sra. não pisa um palco e há quase duas décadas não atua em São Paulo. Como está sendo o retorno?
CÁSSIA

São Paulo está em ascensão, ao contrário do Rio de Janeiro, onde eu moro há quase 30 anos. O Rio de Janeiro está na mais profunda decadência. É uma diferença estonteante.

ISTOÉ – Como se sente na condição de recém-casada aos 51 anos?
CÁSSIA

Estou casada há quatro meses e esta é a primeira vez na minha vida que eu uso aliança. Encontrei luz no fim do túnel. Essa é a imagem que faço da minha atual relação.

ISTOÉ – A sra. é mãe de quatro filhos. Como lida com a maternidade?
CÁSSIA

Eu acho que ter tido filhos mais madura me ajudou. Atualmente, estou mais tranquila, observo mais. Eu vejo que eles são pessoas bem diferentes entre si e precisam muito da minha presença e da minha palavra. Por um bom tempo eu achei que eles mereciam palmadas. Hoje tenho certeza de que não merecem. Não é com pancada que se educa.

ISTOÉ – A sra. pensava diferente?
CÁSSIA

Enfiei a mão na bunda do Joaquim e da Maria Cândida (os mais velhos, hoje com 13 e 11 anos, respectivamente). A palmada é o pior castigo. Agora sou uma mulher de 2009 e quero estar voltada para o futuro e nunca para o passado. Bater em criança é coisa do passado.

ISTOÉ – É rigorosa na educação?
CÁSSIA

Sou firme. Mas não tenho sonho para os meus filhos, não planejo nada para eles. Nada. Não tenho expectativas. E cometo erros. Quer ver um supererro que eu cometi? Em 2008 coloquei minha filha numa escola que ela não queria. Resultado: foi reprovada. Aprendi a lição. Ela está voltando para a escola antiga, superfeliz.

ISTOÉ – A sra. ainda é vegetariana?
CÁSSIA

Sim. Eu não tenho carne em casa, deixei de comer carne já na adolescência. Eu fui muito radical.

ISTOÉ – Por quê?
CÁSSIA

Fiz experiências louquíssimas: dez dias de jejum absoluto. Cinquenta dias comendo só arroz integral. Durante muitos anos, eu passava um dia por semana em jejum. Eu fui kikuchiana (referência ao japonês Tomio Kikuchi, que propõe uma alimentação macrobiótica). Eu trouxe uma cozinheira de um restaurante do Kikuchi de Belo Horizonte e ela cozinha para minha família até hoje.

ISTOÉ – Foi uma busca espiritual ou necessidade estética?
CÁSSIA

Eu não tenho muitas buscas espirituais, prefiro um caminho mais simples. Comecei a comer arroz integral depois de experimentá-lo na casa de um amigo. A decisão não teve nada a ver com espiritualidade. Teve a ver com meu intestino mesmo, que passou a funcionar. Não deixei de comer carne porque tenho pena da vaquinha.

ISTOÉ – Como foi revelar que sofria de bulimia e de transtorno bipolar?
CÁSSIA

Foi interessante perceber que é comum encontrar gente com algum tipo de transtorno. Às vezes, conheço alguém e penso: essa pessoa precisa de ajuda. Falar publicamente da minha bulimia e da minha bipolaridade foi o caminho que encontrei para também auxiliar outros indivíduos. É imenso o número de gente que me procura, que quer saber o nome do meu psiquiatra. Gente que está sofrendo ou tem problemas com marido ou filhos.

ISTOÉ – A sra. brigou muito com a psiquiatria?
CÁSSIA

Não, mas demorei para achar um profissional do qual eu gostasse. Eu me lembro de ter ido a uma consulta com um psicanalista e de ter ficado ali na frente dele por uns 15 minutos. Ele não falou nada. Daí eu me levantei e fui embora irritada. Que diabo de psicanalista é esse que não fala coisa nenhuma? Mas hoje tenho um psiquiatra e um psicanalista. Eu preciso muito deles

 

ISTOÉ – E o tratamento?
CÁSSIA

A vida se descortinou. É como se pegassem uma brocha de tinta e dessem uma pincelada no mundo, e então ficasse tudo colorido. É exatamente isso o que aconteceu. O medicamento me trouxe equilíbrio.

ISTOÉ – Que tipo de problemas esse transtorno causou para a sra.?
CÁSSIA

Eu sempre gostei da verdade, mas eu não tinha muito critério. Dizia verdades agressivas às pessoas. Machuquei muita gente. O meu desequilíbrio era exatamente a bipolaridade – uma hora está-se eufórica, outra hora está-se na depressão total. Na euforia eu saía pedindo desculpas para todo mundo, mandando flores. Era uma mão-de-obra do cão. Eu tinha de encontrar caminhos para poder me desculpar com as pessoas e nem sempre elas me desculpavam. Quando estava bem, não construía nada, só tentava consertar o que tinha destruído no período anterior, em que estava mal. Fui muito impulsiva e saía comprando um monte de coisas e depois via que não queria nem precisava de nada daquilo. A bipolaridade provoca isso, e esses dois extremos são destruidores.

ISTOÉ – O que mudou em sua vida?
CÁSSIA

O medicamento arruma isso. O que me deprimia, agora passa batido. Falo melhor. Encontrei o caminho do meio e faço mais felizes as pessoas à minha volta. E só aprendi a fazer isso com a medicação.

ISTOÉ – Fale de suas personagens.
CÁSSIA

Os personagens só somaram para mim. Nenhum deles me subtraiu ou me destruiu. Pelo contrário, sempre me fortaleceram. E me agrada a mulher que eu sou hoje e eu devo isso a todas as personagens que interpretei. Surfei em universos muito distintos. Eu matei sete personagens numa novela (como Adma, em Porto dos milagres, da Rede Globo). E eu adorava. A maldade não tem compromisso, não tem ética. É uma delícia não ter compromisso com nada. Compromisso dá trabalho. Eu tenho compromisso com meus filhos. E, nesse sentido, ser mãe é uma grande meleca.

ISTOÉ – Como é interpretar Amanda, essa mãe superprotetora e sufocante?
CÁSSIA

Temos em comum o amor pelos filhos, o fazer tudo pela felicidade deles, e errar muito. Eu erro, mas reconheço que errei. Amanda, não. Ela aprisiona esses filhos e não admite isso. Beira a loucura de tanta inteligência e se agarra convicta ao seu passado glorioso com seus 17 pretendentes.

ISTOÉ – A sra. construiu uma Amanda com muito humor.
CÁSSIA

Ela é muito sarcástica, eu quis colocar humor porque é tudo muito pesado. Em nenhum momento quisemos passar a mão na cabeça da plateia. E mesmo assim o público ri. Ri quando a Amanda diz assim: "Uma mãe abandona uma filha solteira, aleijada e sem emprego."

ISTOÉ – Essa personagem mexeu com fatos de sua vida. Mexeu na convivência com sua mãe?
CÁSSIA

Sim, mexeu muito. Muito mesmo. Eu tive uma infância muito difícil, não existia diálogo, tinha pancada. Era a cultura da pancada. E isso é muito ruim. Saí muito cedo de casa e aprendi muita coisa sozinha na cultura da rua. Por isso, a maternidade ainda é um tema delicado para mim.

ISTOÉ – Como foi essa saída de casa?
CÁSSIA

Antes de ir embora, disse à minha mãe: Acho que é melhor a gente se separar. Ela respondeu: também acho. Eu perguntei: posso levar meu colchão? E ela disse que sim.

ISTOÉ – Saiu só com o colchão?
CÁSSIA

Saí só com o colchão e uma malinha. Mas foi ótimo. Eu sinto que perdoei minha mãe e minha mãe me perdoou. A gente está bem. Tem coisas que não se resolvem nem ao longo de 40 anos. A pancada traumatiza. Minha mãe me deixou marcas profundas e tenho certeza de que elas não vão se fechar. Eu estou ótima, mas existem coisas que não vão cicatrizar. Fazem parte de mim.

ISTOÉ – A sra. revelou ter fumado maconha e ter tomado outras drogas. Como lida hoje com isso?
CÁSSIA

Eu usei drogas e parei sozinha. Eu disse chega. Uma certeza que tenho é de que a gente pode tudo no mundo, só precisa saber a medida das coisas. Será que faz bem cheirar cocaína todos os dias? Será que uma hora não se vai quebrar a cara? Ou será que é isso mesmo que se quer? Eu gosto de questionar as coisas. Com controle, pode-se tudo. Se eu comer cinco tigelas de arroz integral, vou arrebentar o meu fígado. A medida de tudo é o importante.

ISTOÉ – A sra. teve uma participação pequena, mas muito marcante em Meu nome não é Johnny. Tem novos planos para o cinema?
CÁSSIA

Eu serei uma pajé no filme Amazônia caruana, de Tizuka Yamazaki. A história é bonita. No filme Meu nome não é Johnny, eu interpretei a juíza que cuida do caso do traficante João Guilherme Estrella. Mas acho muito chato fazer cinema. Gosto de fazer participações breves, rodar dois ou três dias. A espera toda me cansa. Fazer tevê é difícil, mas eu adoro. A gente grava 40 cenas por dia, tem de treinar rápido e estar pronto.

ISTOÉ – A sra. tem facilidade em memorizar textos?
CÁSSIA

Eu sofro. Memorizo fotografando com os olhos, com imagens. Por exemplo, tem uma fala na peça que é assim: "você sabe como ela é, sempre tão quieta." Esse "tão quieta" só me vem quando eu vejo as palavras. Eu preciso visualizar, senão, não vem. Ela tem de aparecer na minha frente. E aparece. O Antonio Fagundes é que tem uma facilidade incrível – ele fotografa tudo. Quando atuamos juntos, uma cena nunca parou porque ele esqueceu o texto, mas porque eu esquecia. E ele olhava para mim com aquela cara feia e dizia: "Estude o seu texto." E a gente dava umas risadas. Ele é meu irmão hoje.

ISTOÉ – Mudando de assunto, pergunta inevitável: acredita que Barack Obama na Presidência dos Estados Unidos é sinal de mudança no planeta?
CÁSSIA

Acho que o mundo inteiro vai ter de ajudá-lo. Eu tenho admiração pelos EUA.

ISTOÉ – E o Brasil hoje?
CÁSSIA

Lula que me desculpe, mas nós não temos uma primeira-dama. E me incomoda o português errado que ele fala. Lula tem uma carreira política de mais de 30 anos, podia ter cursado umas três boas faculdades. Posso estar dizendo bobagem, mas é nisso que eu acredito. Acho que Marisa também podia prestar um vestibular, fazer um curso. São atividades que dão bom exemplo, são modelos de construção. É nesse sentido que Lula e esposa tinham de ser bom exemplo para nós.