O PT, estrela maior do firmamento político brasileiro e astro de primeira grandeza da esquerda internacional, entrou em colapso com apenas 25 anos de vida – e ameaça ser sugado pelo buraco negro da corrupção. Na terça-feira 19, o senador César Borges (PFL-BA) pediu ao TSE o cancelamento do registro civil e do estatuto do PT, com base na confissão do ex-tesoureiro Delúbio Soares sobre o caixa 2 na campanha de 2004, que tornaria falsa a prestação de contas exigida pela Lei Eleitoral. Dois dias depois, os líderes da oposição no Senado – Arthur Virgílio (PSDB-AM) e José Agripino Maia (PFL-RN) – protocolaram no TSE um pedido de suspensão da verba do fundo partidário que cabe ao PT, estimada este ano em R$ 35 milhões. Calculado sobre o tamanho da bancada na Câmara, o fundo não pode ter origem em cofres públicos – e este foi o motivo da representação do PSDB e do PFL, com base na denúncia de que verbas oficiais de estatais, como os Correios, irrigaram as contas do PT graças à generosidade do publicitário Marcos Valério, o primeiro-amigo de Delúbio.

Alan Rodrigues 
Tarso Genro sobre José Pimentel (foto), novo tesoureiro do PT: "Ainda bem que o José Pimentel
é careca. Senão, ia ficar de cabelo em pé com as contas do partido"
 

Fechou-se, assim, o cerco que hoje aflige a sigla de sucesso mais meteórico da República. Investigado em três CPIs simultâneas no Congresso, denunciado na Justiça Eleitoral, acuado politicamente e exposto à perplexidade dos militantes por seu envolvimento com malas de dinheiro, cuecas de dólares e cenas de corrupção explícita, o partido da ética levanta uma questão até então impensável na política brasileira: o PT vai acabar? Ninguém ainda acha isso, mas todos concordam que aquele PT velho de guerra, de estrela no peito e sangue nas veias, não existe mais. “O PT morreu”, decretava a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). “É um momento muito difícil para os 840 mil filiados e para os 53 milhões de brasileiros que votaram em Lula”, reconhecia o deputado Maurício Rands (PT-PE).

Em São Paulo, a nova direção do partido parecia ainda mais estarrecida diante
do quadro financeiro da sigla, acusando uma dívida de quase R$ 40 milhões Somados aos papagaios levantados por Marcos Valério, a dívida rondava os
R$ 90 milhões. Extraoficialmente, chegou ao Palácio do Planalto a informação
de que a dívida total do PT poderia passar dos R$ 200 milhões, chegando talvez
a R$ 250 milhões. “Ainda bem que o Pimentel é careca. Senão, ia ficar de cabelo
em pé”, brincava o presidente Tarso Genro, na semana passada, diante do
sucessor de Delúbio, o deputado José Pimentel (PT-CE). “Se o PT fosse uma empresa, o partido hoje estaria insolvente”, confessou Tarso.

Uma economia de guerra foi decretada pela nova ordem petista: os salários foram nivelados em R$ 7 mil, depois que se soube que a dupla Delúbio-Sílvio Pereira tinha uma remuneração (R$ 12 mil) maior do que a do ex-presidente José Genoino (R$ 7 mil). Decidiram reduzir a frota de carros, inclusive blindados, que o PT possuía em São Paulo e acertaram o fechamento da luxuosa sede do partido em Brasília, no 7º andar do Centro Empresarial Varig. Num plano inspirado na receita mais ortodoxa do ministro Palocci, o tesoureiro Pimentel anunciou o uso rigoroso da tesoura, durante os próximos 18 meses, para produzir um superávit primário mensal de R$ 1 milhão.

Mais do que no bolso, a crise atual machuca o coração do PT, infartado por um choque ético causado pela derrama de dinheiro espúrio em suas veias. “O PT está envolvido com coisas que jamais sonhei. O partido está agredido. Por seu crescimento e pela forma indiscriminada de filiação, o PT acabou tendo más companhias no seu interior”, cutucou o fundador e ex-ministro das Cidades, Olívio Dutra. No fim de semana passado, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) percorreu sete cidades de sua base, no interior gaúcho, perseguido pela mesma indagação: “Deputado, qual é a verdade nisso tudo?” Agora, ele está convencido de que o maior erro do partido foi não ter feito, no primeiro mês de governo, a reforma política. “O sistema é corruptor. Sucumbimos à arrogância e à nossa ingenuidade com as regras do capitalismo real.” E lembra que um dos primeiros sinais de alarme foi o volume de shows (dívida atual de R$ 7 milhões) que se abateu sobre os candidatos e comícios petistas: “Isso nunca foi uma marca do PT. A gente devia ter desconfiado.”

Defenestrado na primeira trombada com a direção, o ex-petista Fernando Gabeira (PV-RJ) constata que o drama do PT acabou com a idéia de que ele seria um partido diferente dos outros, a partir do plano ético. “Ele terá, agora, uma agenda diferente, correndo dos credores”, ironiza. “O que mais afeta o futuro do PT é sua alma, profundamente abalada por este pesadelo terrível”, acusa o deputado Chico Alencar (PT-RJ), expoente da esquerda mais crítica e hostilizada dentro do partido. “O PT corre risco de morte, se não renovar seu comando e não retomar suas bandeiras históricas”, diz, desanimado com a primeira decisão polêmica da nova executiva petista, na semana passada, ao vetar por 11 votos a 7 a suspensão de Delúbio e Silvinho. “Foi um mau começo”, condena Chico. Na hora de indicar seus membros para a CPI do Mensalão, a esquerda não foi sequer consultada pelo Campo Majoritário, o grupo de Lula, José Dirceu, Genoino e Delúbio, que controla o partido.

Abstenção – O calendário marca outra prova de fogo para o partido, em setembro. No dia 11, 840 mil filiados votarão em eleição direita para a nova executiva. Só vota quem estiver com a mensalidade em dia. “E quem vai pagar, agora, para votar num clima desses?”, pergunta-se o deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), candidato à direção estadual. “A abstenção será terrível. De cada dez filiados sete não vão comparecer às urnas. Se aparecerem 100 mil dos 840 mil filiados, será uma surpresa”, aposta, lembrando que ele é um dos 12 parlamentares da bancada suspensos indefinidamente pelo PT, na guerra pela Previdência, que levou à expulsão de Heloísa Helena e de outros três deputados. “Enquanto isso, Delúbio e Silvinho merecem toda a complacência do mundo”, lamenta.