Talvez nem sendo um tatu, que passa boa parte do tempo na toca, desse para ficar impassível diante da crise política que se instalou no País. E nem mesmo para aqueles que possuem uma personalidade mais fria, comparável a um cubo de gelo, seria possível não se influenciar pelas emoções que resultam de tantas denúncias. Dependendo do grau de envolvimento com a política ou da expectativa depositada no governo petista, os sentimentos dos brasileiros hoje vão da perplexidade à desilusão. Da frustração até a raiva e a ansiedade por um futuro que ainda não se consegue saber bem como será.

Na visão dos especialistas na mente humana, essa plêiade de sentimentos é conseqüência de uma espécie de luto coletivo. “É claro que, para cada um, a vivência da situação é diferente. Mas pode-se dizer que há algo parecido com as emoções que acompanham o luto. As pessoas se sentem como se tivessem perdido alguma coisa”, afirma a psicóloga Ana Olmos, de São Paulo. Nesse caso, sente-se a perda não de uma pessoa amada, mas a de uma esperança. “Vivemos um momento de extrema desilusão. Em parte pela perda da confiança, já que acreditávamos que desta vez as mudanças almejadas fossem acontecer. Por outro lado, existe o descrédito em relação a um partido que sempre defendeu a ética e a moral e que agora se descobre que não é tão diferente dos demais”, acredita a cientista política Vera Lúcia Chaia, da PUC/SP. A historiadora Maria Aparecida Aquino, da Universidade de São Paulo, reforça. “O homem comum tinha a expectativa de que houvesse uma melhoria da sua qualidade de vida, o que também não se cumpriu”, afirma. O maître Antônio Vitorino Filho, 45 anos, 21 deles trabalhando no Bar Brahma, um dos mais tradicionais de São Paulo, é um exemplo do que falam os especialistas. “Tínhamos esperança de que as coisas mudassem. E agora vemos a mesma história de sempre”, lastima.

Como o luto é uma das principais
fontes de stress, é natural que
as pes-soas estejam também
sofrendo um desgaste emocional.
“Essa irritabilidade demonstrada
pelos indivíduos em relação à crise,
por exemplo, é um dos sintomas
desse stress”, explica o psiquiatra
Márcio Versiani, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na opinião do médico, não é exagero afirmar que muita gente esteja sendo vítima, inclusive, do chamado stress pós-traumático, uma categoria de sofrimento psíquico experimentada por pessoas que foram alvo de atrocidades como seqüestro ou estupro. “Cidadãos mais envolvidos com esses assuntos levaram um choque, tiveram um trauma”, acredita o especialista. Dependendo de sua intensidade, esse sentimento pode ter repercussões físicas, as mesmas resultantes de um quadro clássico de stress. Entre elas estão alterações nos níveis de substâncias cerebrais envolvidas no processamento das emoções (como a serotonina), insônia, ocorrência de pesadelos e o desenvolvimento de uma compulsão pelo assunto. É o indivíduo que só pensa no tema, que lê todos jornais e assiste a todos os telejornais numa busca frenética por informações.

Além dessas aflições com manifestações na saúde mental individual, a crise política também causa estrago na auto-estima nacional. A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR, entidade internacional para estudo e gerenciamento do stress, por exemplo, anda se sentindo desconfortável diante de estrangeiros. “Sinto-me envergonhada e humilhada porque essa situação respinga na credibilidade de nosso país e prejudica a imagem da nação”, lamenta. De fato, vive-se hoje uma realidade bem diferente de três, quatro anos atrás, quando o orgulho nacional estava em alta aqui e lá fora.

Instituições – As razões desse baixo-astral coletivo, no entanto, vão além do fato de as denúncias mexerem com questões da condição humana, como a esperança e a confiança. Na verdade, é de esperar que uma crise como essa, nas instituições, repercuta no íntimo de cada um. “As instituições também fazem parte da personalidade das pessoas”, explica a psicóloga Ianni Regia Scarcelli, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e especialista em psicologia social. É por esse motivo que um abalo no governo afeta os indivíduos. São crenças, valores que se colocam em xeque. E isso é assim no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, já que não é possível dissociar-se totalmente das instituições do País.

Os especialistas acreditam, entretanto, que agora é o momento de aprender com a crise, encontrando uma forma de continuar exercendo a cidadania. “O isolamento não é uma boa saída. É preciso buscar espaços coletivos para que essa experiência de crise possa ser refletida, elaborada e superada por outras formas de organização”, afirma a psicóloga Ianni. Mais uma estratégia para não sofrer além da conta é entender que a crise consiste em uma situação sobre a qual o indivíduo, sozinho, não tem controle. Por isso, é preciso cultivar um certo distanciamento. Afinal, de nada adianta passar horas e horas pensando em um problema cuja solução não depende somente do cidadão comum, pelo menos diretamente. “É preciso avaliar o que se está sentindo. Se a pessoa acha que não está lidando bem com a informação e sente grande frustração, por hora pode ser melhor ficar mais seletivo em relação às notícias. Até porque, momentaneamente, não temos nenhuma definição”, orienta a psicóloga Ana Maria Rossi.

Tão importante quanto tudo isso é lançar mão de meios de não sucumbir ao pessimismo. É viver o luto para depois se recuperar. O músico Dinho Ouro Preto, da banda Capital Inicial, eleitor do PT, não esconde que se decepcionou. Mas não deixa a esperança desaparecer. “Sinto desilusão, mas sou um eterno otimista”, conta. “Procuro acreditar que isso envolve um número restrito de pessoas dentro do PT”, diz. Apesar da angústia, Dinho enxerga o lado bom da crise. “Mesmo com toda essa situação, o Brasil não afundou. As instituições parecem maduras”, analisa. O psicanalista Jorge Forbes, de São Paulo, pensa da mesma maneira. “Apesar do momento difícil que vive, a sociedade brasileira está oferecendo uma lição de cidadania. É uma aula de civilidade que damos ao mundo”, afirma.