Além de cuidar de uma rede de ensino com cerca de seis milhões de alunos, o secretário da Educação de São Paulo, Gabriel Chalita, tem trabalhado sua projeção nacional. Desde 2003, preside o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), cuja maior preocupação é fazer entrar em vigor o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), uma promessa de campanha do presidente Lula que ainda não vingou. É autor de 36 livros, um deles – Os dez mandamentos da ética – vendeu 50 mil exemplares no Brasil em um ano e foi lançado recentemente na Argentina e na Espanha. Nos últimos meses, tornou-se um autêntico multimídia. Tem um programa diário na Rádio Canção Nova (AM 1020), antiga Rádio Gazeta, no qual conversa com os ouvintes, e está presente também na telinha, na emissora do mesmo grupo, como apresentador de gincanas educativas e entrevistas. A ISTOÉ, ele nega que tenha projetos políticos individuais. Diz que é um colaborador do governador Geraldo Alckmin (PSDB), com quem tem grande ligação. De qualquer forma, admite que não seria ruim ser ministro da Educação ou governador de São Paulo. Na entrevista abaixo, ele relata suas realizações deste ano e os planos para 2005:

ISTOÉ – Quais foram as maiores lutas do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) durante esses dois anos de sua gestão (2003/2004)?
Gabriel Chalita
– O ano de 2003 foi ruim. Estados e municípios perderam 10% da cota estadual do salário-educação. O governo federal centralizou o que estava descentralizado. Já em 2004, esse dinheiro foi colocado em transporte escolar, o que minimizou a perda. Mas ela existe. Continuamos reivindicando que esses 10% voltem para a sala de aula. Avançamos nas discussões, mas o desafio é fazer valer o Fundo da Educação Básica (Fundeb). Na última reunião com o ministro da Educação, Tarso Genro, ouvimos o compromisso de que o Fundeb é fundamental para viabilizar o ensino médio. Houve o rumor de que o fundo englobaria tudo: creche, educação de jovens e adultos, universidades, alfabetização, educação rural e até indígena. Mas agora ficou acertado que serão três anos de educação infantil, o ensino fundamental e o médio. Além disso, o ministro prometeu um aporte de recursos que virá da revinculação de verbas.

ISTOÉ – De que forma?
Chalita
– Os Estados e municípios entram com 25% de sua receita em educação. O governo federal, com 18% das receitas do Tesouro (R$ 598 bilhões). Só que as contribuições que surgiram depois da Constituição de 1988, como, por exemplo, a CPMF, não entram para o cálculo. Esse montante dá R$ 5 bilhões por ano. Negociamos para que essa soma venha para a educação básica, e não para a universidade. Seriam injetados R$ 1,7 bilhão no ano que vem, R$ 3 milhões
em 2006 e assim por diante.

ISTOÉ – Garantir esses recursos foi o maior desafio do Consed?
Chalita
– Estamos falando de um fundo de R$ 50 bilhões, que pode determinar o futuro da educação. Houve muitas outras questões, como os fóruns de gestão. O Consed está formando diretores de escolas no Brasil inteiro. O gestor faz uma grande diferença. Mas o Fundeb foi a discussão mais importante.

ISTOÉ – Só que até hoje não foi aprovado no Congresso?
Chalita
– Depende da vontade política do governo que, até hoje não mandou o projeto para o Congresso. Sentimos que o ministro está convencido de que não dá para falar em Fundeb sem recursos da União. O Fundeb é uma emenda constitucional, mas que precisa de uma legislação ordinária que garanta pelo menos 10% de verba federal. O ministro Tarso Genro concorda, mas ele precisa convencer a equipe econômica. Essa era uma proposta da campanha do presidente Lula e faria o governo dele dar um salto real na educação.

ISTOÉ – Como o Consed atende à realidades educacionais tão diferentes?
Chalita
– Este ano, nove estados do Nordeste mais o Pará não tinham como pagar a conta do ensino médio. Pedi ao ministro um fundo emergencial para esses Estados. Foram R$ 200 milhões. Temos uma relação muito boa com os secretários, uma discussão técnica. Aplaudo algumas iniciativas do governo Lula e critico outras, independentemente de partido. O ministro reconhece isso. Não se faz educação com picuinha política. A educação é um processo. Se você quebra, volta ao zero.

ISTOÉ – Há pouco tempo, ISTOÉ mostrou que em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro há alunos da quarta série que não sabem escrever. E a avaliação do MEC aponta que a qualidade do ensino em todo o Brasil é baixa. Como resolver isso?
Chalita
– Concordamos com a avaliação, mas a educação melhorou. Só que não há milagre. É um processo. O Brasil botou todas as crianças na escola, agora vem a melhoria da qualidade, que não acontece em dois ou três anos. Temos no País cerca de 50% de professores sem nível superior.

ISTOÉ – Fazer com que todos os professores sejam alfabetizadores seria
uma saída?
Chalita
– O professor tem que saber alfabetizar em qualquer série. Esse é o desafio. Ele não pode dizer: “Isso não é comigo!” Fui professor numa faculdade de direito e os alunos não sabiam escrever. Eu dava aulas aos domingos para ajudá-los. Se o professor tratar o aluno como número, ele não vai aprender. Os professores antigamente eram mais afetuosos. O professor tem de olhar para o rosto do aluno, chamar pelo nome, perguntar o que ele tem. Se o professor começar a reparar no aluno, ele vai mudar. Temos que seduzi-lo para a leitura, para o letramento.

ISTOÉ – O que é o letramento, que tanto falam atualmente?
Chalita
– É a capacidade de fazer um texto coeso e entender o que se lê. Isso
não depende só da escola. Os pais têm que contar histórias mesmo sendo analfabetos, a criança tem que treinar a imaginação. Os maiores problemas
de educação no Brasil estão na região metropolitana dos grandes centros.
Os pais ficam muito tempo fora e existem as drogas, a bebida. Antes, falávamos
de drogas no ensino médio. Hoje, temos crianças de sete anos que antes de ir para a aula tomam o tal do bombeirinho, pinga com groselha, vendida na porta das escolas. Isso é no Brasil inteiro.

ISTOÉ – Quais seus planos para 2005?
Chalita
– A política é uma fotografia do momento. Muita coisa pode acontecer. Tenho uma ligação muito grande e antiga com o governador Geraldo Alckmin. Ele tem um projeto político e faço parte do projeto dele. Se ele sai candidato a alguma coisa, posso trabalhar com ele.

ISTOÉ – O sr. não pensa em disputar o governo de São Paulo? Ou prefere ser ministro? (risos)
Chalita

– Estar na campanha do Geraldo para a Presidência e depois ajudá-lo na educação seria fantástico. Mas o governo também seria bom.