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EM OBRAS
O investimento  em Angra 3 é de US$ 8 bilhões

A construção de Angra 3, uma das principais metas do programa nuclear brasileiro, está comprometida. O projeto tinha sido paralisado por três décadas em virtude da falta de orçamento e também pelo forte preconceito quanto à nova fonte de energia. Angra 3 só recebeu sinal verde no último dia 31. Mesmo assim, o início das obras está ameaçado por uma investigação do Ministério Público Federal em Angra dos Reis. O procurador Fernando Lavieri apura a eventual existência de deficiências graves no relatório de licenciamento aprovado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). De acordo com o processo, o órgão de fiscalização teria negligenciada advertência de um de seus próprios fiscais, o engenheiro Sidney Luiz Rabello, que, em parecer técnico, obtido com exclusividade por ISTOÉ, fez um alerta assustador: o projeto da usina é anacrônico, data de 1977, e não incorpora medidas de proteção contra acidentes recomendadas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Se confirmada a denúncia, a CNEN terá de explicar por que engavetou o parecer.

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“Estamos na fase de instrução e procurando pessoas com capacidade técnica para analisar o caso. Mas tem de ser gente desvinculada do programa nuclear, que possa avaliar essa documentação com imparcialidade”, diz o procurador Lavieri. Ele já recebeu autorização para contratar uma consultoria independente e pensa em recorrer à AIEA. “Essa fragilidade na condução do programa nuclear é incompatível para quem se coloca como interlocutor para soluções relativas à segurança nuclear em outros países”, avalia o deputado Edson Duarte (PV-BA), relator do Grupo de Trabalho de Fiscalização e Segurança Nuclear da Câmara. Duarte se refere ao esforço de mediação na crise do Irã e lembra que na ONU aumentam as pressões para que o País assine o protocolo adicional do Tratado de Proliferação Nuclear – o que dará aos fiscais da AIEA acesso total às instalações de pesquisa de energia atômica, inclusive ao centro da Marinha em Aramar.

Dentro da CNEN, o clima é de caça às bruxas. Rabello virou alvo de processo administrativo disciplinar, e seus colegas também estão proibidos de tocar no tema. Em seu parecer, o fiscal lista 19 pendências na terceira e última versão do Relatório Preliminar de Análise de Segurança (RPAS), apresentado pela Eletronuclear para o licenciamento. Rabello destaca que as normas de segurança de Angra 3 se restringem às que estavam em vigência na Alemanha e no Brasil entre 1975 e 1981. “Estas datas não estão em conformidade com a instrução CNEN-NE-1.04. Ela define que devem ser utilizadas normas atualizadas, isto é, normas da ocasião da solicitação da licença de construção ou mais recentes”, afirma Rabello. Os padrões alemães, segundo ele, estão desatualizados, pois o país não constrói usinas há décadas. O RPAS também não incorpora as regras da AIEA referentes a acidentes severos, que foram elaboradas após o acidente do reator de Three Mile Island, nos EUA, em 1979. A fusão do núcleo do reator é considerada um divisor de águas em termos de segurança nuclear, pois revelou deficiências nas bases de projeto de todas as usinas da década de 1970.

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PARECER
Fiscal nuclear diz que o projeto de Angra 3 é ultrapassado e é preciso reforçar a segurança

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Para atender às especificações elaboradas depois disso, Angra 3 deveria incluir uma obra de contenção do núcleo do reator capaz de resistir à fusão total de seu núcleo e à liberação de material radioativo para o meio ambiente. O problema é que a CNEN não quer refazer o projeto de Angra 3, sob o risco de cancelamento do contrato de construção da usina, assinado há três décadas com a Andrade Gutierrez. Para o Tribunal de Contas da União, o contrato com a empreiteira só poderá ser mantido se não houver mudança em seu objeto. Mas a inclusão de novos parâmetros de segurança, certamente descaracterizaria o projeto original. “Isso desagrada a muitas pessoas e provocaria uma crise enorme no programa nuclear”, avalia Edson Duarte. Segundo ele, a CNEN não pode ser ao mesmo tempo promotora e fiscal das atividades nucleares. “Esse modelo só existe em mais dois países: Irã e Paquistão”, compara.

O presidente da Eletronuclear, almirante reformado Othon Pinheiro, diz que as advertências de Rabello “são infundadas”. “É bom que seja feita essa análise do Ministério Público porque se verá que não há nada de errado com o projeto”, afirma. Em ofício ao presidente da CNEN, Odair Gonçalves, com cópia para o ministro de Minas e Energia, o almirante garante que Angra 3 “incorpora todas as recomendações da experiência operacional internacional, incluindo as modificações decorrentes da análise do acidente de Three Mile Island”. Mas ressalta que o projeto não incorpora conceitos das chamadas usinas de geração 3. O diretor de Segurança Nuclear da CNEN, Laercio Vinhas, diz que “os documentos da AIEA são recomendações de caráter genérico” e que, por esta razão, a comissão “optou por utilizar a metodologia emitida pelo órgão regulador americano”. São estes pontos controversos que o Ministério Público Federal tem o dever de desvendar.

OPORTUNIDADE PERDIDA

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ALIADOS
A embaixadora do Brasil na ONU e o diplomata da Turquia

O Conselho de Segurança da ONU perdeu a oportunidade de transpor polêmicas internacionais pela diplomacia. Com apenas dois votos contrários – do Brasil e da Turquia – e a abstenção do Líbano, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma nova rodada de sanções contra o Irã. Desde 2006, é a quarta vez que a organização decide impor restrições ao país por causa de seu programa nuclear. A decisão da semana passada, porém, se diferencia das anteriores por ignorar o acordo negociado pelo Brasil e pela Turquia com o regime de Mahmoud Ahmadinejad, em 17 de maio. “Criamos as condições para que o Irã voltasse à mesa de negociações”, lembrou após a votação a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Luiza Viotti. Os termos do acordo intermediado pelo Brasil eram os mesmos que o governo Barack Obama tentava negociar desde outubro, mas agora os Estados Unidos e seus aliados no Conselho afirmam que não são mais suficientes para evitar que o Irã produza a bomba atômica. “O Conselho de Segurança jogou fora uma oportunidade histórica de negociar o programa nuclear iraniano”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao saber que a votação terminara em 12 votos a 2. “O episódio enfraquece o Conselho”, completou Lula, que defende uma reforma da organização.


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