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NA DEFESA
Tradutor de Felipão, Marcelo Santos é escoltado após agressão

Em qualquer estádio no Brasil, seria uma cena comum. Final de jogo, alguém insatisfeito com a arbitragem dá uns pontapés no árbitro e corre para fora do campo, depois de ser perseguido por um policial. Foi mais ou menos isso que ocorreu no dia 14 de abril, quando o brasileiro Marcelo Santos, tradutor do técnico Luiz Felipe Scolari, distribuiu socos e chutes ao término da partida entre o Bunyodkor, time da primeira divisão do Uzbequistão então dirigido por Felipão, e o saudita Al Ittihad, pela Copa dos Campeões da Ásia. O problema para Santos é que o jogo era na Arábia Saudita, onde agressões como essa são consideradas crimes extremamente graves. Não deu outra. O tradutor foi imediatamente detido e amargou dois dias no xilindró. Só conseguiu deixar a prisão por intervenção do poderoso empresário Khalil Bin Laden, cônsul honorário do Brasil naquele país e meio-irmão do terrorista Osama Bin Laden. Desde então, Santos está impedido de sair do país. “Para mim, é como se eu estivesse preso aqui. Não posso voltar para casa”, diz ele, que foi abrigado por Khalil num chalé à beira-mar enquanto aguarda a instauração do processo judicial.

O tradutor alega que o juiz o chamou de “macaco” durante o jogo, e que ele agrediu o policial sem saber que se tratava de autoridade. Para tentar resolver o imbróglio, o Itamaraty teve de entrar em campo. O chanceler Celso Amorim enviou carta a seu homólogo saudita, o príncipe Saud Al Faisal, pedindo a libertação imediata de Santos, que foi multado em US$ 20 mil e suspenso do futebol no país por cinco anos. “Tomo a liberdade de solicitar, uma vez mais, que Vossa Alteza interceda, em benefício do afeto que une nossos povos”, escreveu Amorim. “A gente explica que chutar um policial numa partida de futebol é algo totalmente corriqueiro para nós no Brasil. Mas aqui é um crime gravíssimo”, acrescenta o ministro-conselheiro David Lucena, número 2 da embaixada brasileira em Riad.

“Agressão no futebol é uma coisa corriqueira no Brasil.
Aqui é um crime gravíssimo”

David Lucena, diplomata do Brasil na Arábia Saudita

Embora considere o processo judicial saudita “pouco transparente”, Lucena acredita que são grandes as chances de conseguir a libertação pela via política. Quem também saiu em defesa do tradutor brasileiro foi o meia Rivaldo, que joga no Bunyodkor. Em seu site, ele postou fotos da mulher e dos filhos de Marcelo Santos e criticou o Itamaraty. “Ela diz que está chorando muito e não aguenta mais essa situação. Isso é totalmente injusto e um grande absurdo. E o mais impressionante é que ninguém faz nada”, disse. Segundo Rivaldo, o tradutor se sustenta com US$ 600 mensais, tem apenas duas mudas de roupa e come somente frutas, pão e biscoito. “Eu e o Felipão fomos lá para tentar resolver, pois é uma coisa muito simples, do futebol. Ele não matou ninguém”, afirma Rivaldo. Num país onde quem rouba tem as mãos amputadas e astrólogos são decapitados, é difícil esperar algum “fair play”.