Um ato para relembrar os dois anos dos atos criminosos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, reuniu representantes do governo federal, do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quarta-feira, 8, em Brasília.
Alvo prioritário dos baderneiros na ocasião, a corte foi responsável por julgar e condenar 371 pessoas que participaram da invasão e será incumbida de, em caso de apresentação de denúncias pela PGR (Procuradoria-Geral da República), sentenciar envolvidos num plano que, de acordo com a Polícia Federal, financiou o quebra-quebra como parte de uma tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota nas urnas.
Ainda que a pronta reação do Supremo tenha sido elogiada por autoridades e tomada como exemplo para reações institucionais a ataques antidemocráticos, a conduta dos magistrados no processo abriu questionamentos a respeito de eventuais excessos.
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Sentenças sob questão
O tribunal condenou participantes dos atos a até 17 anos e meio de prisão, uma pena equiparável ao homicídio qualificado, no caso de condutas consideradas mais graves, que envolvem a depredação do patrimônio público. Em boa parte dos casos, o colegiado seguiu as decisões do ministro Alexandre de Moraes.
Entre os condenados, quatro moradores de rua foram absolvidos por Moraes depois de passar longos períodos atrás das grades. No pedido de absolvição de Jefferson França da Costa Figueiredo, de 31 anos, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que o homem, que passou mais de um ano na cadeia, vivia “em situação de rua e vulnerabilidade econômica” desde a adolescência e não participou dos atos além de uma “permanência momentânea no acampamento” em que golpistas também estavam, na frente do quartel-general do Exército, em Brasília. O magistrado negou quatro vezes a soltura de Figueiredo antes de autorizá-la.
Advogados de réus pelo 8 de janeiro também acusaram Moraes de negar o acesso aos autos de inquéritos sigilosos em que seus clientes eram citados ou investigados. Em resposta a um ofício do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o ministro afirmou que esses advogados não estavam “devidamente constituídos” ou não seguiram as regras da corte.
Para a Associação de Familiares e Vítimas de 8 de janeiro, os processos apresentam acusações similares contra os réus e poucas evidências do que cada um teria feito, individualmente, para justificar as sentenças. A ausência de individualização das condutas é mencionada também pela DPU (Defensoria Pública da União), órgão que atua na defesa de acusados que não têm advogado particular.
Nas diversas vezes em que foi procurado, o Supremo afirmou que os processos têm sido conduzidos com garantia da ampla defesa e do contraditório. Até o momento, a responsabilização dos mandantes ou mentores intelectuais da invasão se restringiu a prisões preventivas e não teve condenações.
Excesso ou legalidade?
“Há uma desproporção na quantidade de penas, notadamente nas que chegam a quase 18 anos de reclusão, considerando que, como noticiado, muitos dos condenados não tinham qualquer posição de comando”, disse ao site IstoÉ Nestor Santiago, advogado criminalista e professor da Universidade de Fortaleza e da UFC (Universidade Federal do Ceará). “Como a tipificação dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado é relativamente recente — 2021 –, não há notícia de outros fatos que tenham gerado aplicação de pena na mesma proporção“, prosseguiu.
A restrição de acesso aos autos dos inquéritos por advogados, de acordo com o professor, é inadequada “mesmo no caso de processos sigilosos”. “A resposta do STF aos crimes praticados contra o Estado Democrático de Direito tem sido realmente rápida, o que é positivo, considerando todo o clima institucional gerado a partir da prática dessas infrações penais, que necessitam punição exemplar, mas dentro de um critério de proporcionalidade na aplicação das penas”, concluiu o professor.