i62605.jpgO Brasil está com uma espada sobre a sua cabeça. Ela pode despencar ou não, dependendo dos desdobramentos da política interna da Bolívia. O recrudescimento da crise entre o governo Evo Morales e a oposição tem potencial para provocar um desabastecimento de gás sem precedentes no Brasil. "O estrago para a economia brasileira vai depender do tamanho e da duração de um possível corte do gás", afirma o economista Adriano Pires, especialista em política energética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "É o imponderável." Precavido, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, anunciou na quinta- feira 11 que o Brasil vai estocar gás para não ser prejudicado "se houver algum problema no futuro". Também acertou os detalhes de um plano de emergência que inclui o corte do fornecimento de gás às indústrias, que funcionariam a diesel.

Naquele dia, 15 milhões de metros cúbicos de gás deixaram de ser enviados ao território nacional devido ao bloqueio de um trecho do gasoduto na Bolívia. A paralisação do serviço foi causada por opositores de Evo, por meio da manipulação de válvulas. Na véspera, manifestantes contrários ao governo já haviam provocado uma explosão em outro trecho do duto, o que diminuíra o fluxo de gás enviado ao Brasil em três milhões de metros cúbicos. Diante do quadro, a Petrobras adotou seu plano de contingência, reduzindo o consumo de gás em suas unidades e substituindo-o por outros combustíveis.

Atualmente, o Brasil importa 31 milhões de metros cúbicos de gás do país vizinho por dia, o que corresponde a 50% de seu consumo. Ocorrem, porém, variações de Estado para Estado. Em São Paulo, maior pólo industrial do País, 70% do gás consumido vem da Bolívia. Essa proporção sobe para 100% em Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. "Para piorar a situação, independentemente de a Bolívia cortar gás ou não, há uma escassez de gás no mercado brasileiro", diz Pires. Para o especialista, houve um erro de planejamento no Brasil ao se estabelecer um único fornecedor de gás para o País. "O mais grave é que esse fornecedor é a Bolívia, país conhecido pela instabilidade política. O risco de um ‘apagás’ existe", comenta. "O Brasil poderia importar até 100% do gás que consome, mas de diferentes supridores, pelo menos dois."

No curto prazo, a alternativa para o problema é a gestão política, como acenou Marco Aurélio Garcia, assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, em referência ao grupo formado pelo Brasil, Argentina e Colômbia para mediar uma solução. A origem da crise boliviana está na existência de duas posições antagônicas, aparentemente irreconciliáveis. De um lado, há o programa de Evo Morales, estatizante e indigenista. Do outro, os projetos autonomistas das elites políticas e econômicas da oposição.

Evo se elegeu prometendo "refundar" a Bolívia. Em dezembro passado, em outro pico da crise, ele propôs um referendo para confirmar ou revogar seu mandato. Na época, anunciou que, se fosse rejeitado pelas urnas, voltaria a cultivar coca na província onde nasceu, Chapare. Em agosto, Evo teve o mandato ratificado com 67% dos votos. O presidente entendeu o resultado como um sinal verde para a implantação de suas reformas. Os governadores da oposição, que também tiveram seus mandatos ratificados, se negam a aceitar as regras do jogo democrático e decidiram radicalizar. Na semana passada, o epicentro da crise foi o departamento de Tarija, onde manifestantes exigiam que Evo restitua aos departamentos parcela de um imposto sobre os hidrocarbonetos que vem sendo usada pelo governo para pagar aposentadoria para maiores de 60 anos pobres.

Embora tenha se recusado a decretar estado de sítio no país, o presidente eleito e confirmado pelas urnas reagiu na quarta-feira 10 declarando "persona non grata" o embaixador americano na Bolívia, Philip Goldberg, que contribuiria para "dividir o país". Os EUA revidaram, classificando da mesma forma o embaixador boliviano em Washington. É o fantasma do golpe de Estado rondando, de novo, a Bolívia.

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