Diante da súbita popularidade erguida sobre os índices do bom momento econômico, o ministro Guido Mantega tem até pensado em mudar o nome de sua Pasta para Ministério do Desenvolvimento Econômico. Na semana passada, foi anunciado que o Produto Interno Bruto cresceu 6,1% no segundo trimestre, a inflação mal passa de civilizados 6% ao ano e a taxa de investimento subiu para 18,7% do PIB, a maior desde 2000. Não poderia haver, portanto, oportunidade mais adequada para se comemorar os 200 anos da criação do Ministério da Fazenda, iniciado com a chegada da família real ao Brasil. O que deveria ser um olhar para o promissor futuro, no entanto, se tornou uma viagem a um passado assombrado, num evento que reuniu, em Brasília, ministros da Fazenda dos últimos 40 anos – alguns deles verdadeiros cavaleiros do apocalipse por terem deixado o Brasil mergulhar nos anos de hiperinflação.

Anfitrião, Mantega homenageou seus antecessores com o cuidado de fazer desaparecer os erros que cometeram. “Aprendi muito com a experiência do passado. Todos nós somos responsáveis pelo sucesso que a economia tem nos dias de hoje”, afirmou ele, tomado de generosidade. O seminário foi palco de muito elogio e pouca crítica. Seguiu-se ao pé da letra a recomendação que tirou do poder, num episódio patético, o embaixador Rubens Ricupero: “O que é bom a gente fatura, e o que é ruim a gente esconde.”

Escondeu-se, por exemplo, que o Brasil, graças aos rotundos fracassos de ministros da Fazenda, passou por sete reformas monetárias até conseguir dedebelar a inflação em 1994. Um dos convidados, por sinal, era Maílson da Nóbrega, que com as trapalhadas do Plano Verão conseguiu a medalha de ouro de inflação, ao atingir a marca de 1.800%, no fim do governo Sarney. O recordista Maílson foi esperto: faltou ao evento. Mas o clima foi de total indulgência. Delfim Netto, ministro da Fazenda nos anos de chumbo, recebeu honras de decano. Ninguém se atreveu a falar sobre sua passagem pelo governo Figueiredo, quando o Brasil, melancolicamente, saiu de pires na mão e decretou a moratória da dívida. Nos debates, Delfim fez a platéia rir com sua famosa verve. Em tom jocoso, disse que “o desenvolvimento econômico só ocorre quando quem trabalha acredita naqueles que fazem o discurso”. Ernane Galvêas, seu fiel pupilo nos estertores do regime militar, pouco falou. Afinal, entrou para a história ao desviar um avião comercial que fazia a rota Nova York/ Rio de Janeiro e forçar o piloto a pousar em Brasília.

A ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, que usou o seminário como trampolim para sua primeira grande entrada no cenário econômico desde o fracasso do confisco que promoveu na poupança dos brasileiros, saiu do seminário com o ego inflado. “Diferentemente das análises que reduziram o Plano Collor ao confisco da poupança, as transformações iniciadas em 1990 eram muito mais profundas”, afirmou. Ela atribuiu o confisco à necessidade da hora. “Foram medidas drásticas, porém necessárias”, disse. Mas Zélia passou o desconforto de ouvir a gravação de Marcílio Marques Moreira, que a sucedeu no cargo. Na opinião de Marcílio, “as medidas foram tomadas talvez de maneira exagerada e praticamente paralisaram a economia”. Ela recebeu a crítica de cenho fechado, lembrando o célebre mau humor dos tempos de ministra. Engoliu a seco e fez uma reclamação a Mantega. Mas por outro motivo: sua idade saiu errada no livro oficial. Ela nasceu em 1953, um ano mais jovem que o publicado pelo Ministério.

Ministro da Fazenda nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan não compareceu ao evento, mas gravou um depoimento. Em sua intervenção, saiu do figurino bemcomportado e referiu-se à marcha da insensatez que antecedeu o Plano Real, época em que “o País parecia meio bêbado, meio drogado”. Nada diplomático, declarou que o sucesso da economia nesse terceiro trimestre de 2008 se deve a 14 anos de inflação civilizada e a 15 anos de solução da dívida externa, entre outros fatores. Sua conclusão: “O Brasil e o atual governo se beneficiaram de uma herança, a meu ver, benigna.” Mantega acompanhou a fala de Malan com visível nervosismo. Reafirmou que todos os ministros da Fazenda contribuíram, a seu modo, para a quadra feliz que vive a economia brasileira. Mas se confundiu ao dar por encerrado o seminário, o que só aconteceria no dia seguinte. Estaria pensando na provocação de Malan?