Como se constrói a inteligência? É possível aumentá-la de alguma maneira? Essas e outras perguntas sobre o intelecto humano sempre inquietaram os cientistas. Agora, uma série de novas pesquisas sobre o tema está ajudando a decifrar quais são, afinal, os pilares da inteligência. Além disso, as descobertas estão reforçando a idéia de que o potencial cognitivo de cada um apresenta uma imensa capacidade de crescer ao longo da vida. Basta usar os estímulos corretos e evitar as ameaças que começam a ser mais bem conhecidas.

Um dos estudos mais contundentes neste sentido foi divulgado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, há dois meses. Os pesquisadores Susanne Jaeggi e Martin Buschkuehl queriam saber se era possível elevar a chamada inteligência fluida. Ela é caracterizada pela habilidade de compreender a relação entre vários conceitos – independentemente de conhecimento prévio sobre eles – para resolver problemas. O outro gênero conhecido é a inteligência cristalizada, também usada na solução de desafios, mas baseada em experiências anteriores registradas na memória de longo prazo, associada a lembranças guardadas pela vida toda.

No trabalho, os cientistas concluíram que a inteligência fluida pode ser bastante aprimorada. O segredo está no treinamento da memória de curto prazo, associada à memorização de informações por pequeno espaço de tempo – guardar o número de um telefone para o qual acabou de discar, por exemplo. A constatação de que isso é possível foi obtida após avaliação de voluntários submetidos a um treinamento para afinar a memória de curto prazo. Em comparação aos que não participaram do treino, eles se saíram muito melhor nos testes para medir a inteligência fluida. "O resultado mostra claramente que o cérebro é muito mais maleável do que se imagina e que pode ser trabalhado com o objetivo de aumentar o potencial intelectual das pessoas. Só é preciso saber treiná-lo", afirmou a pesquisadora Susanne.

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Outra pesquisa confirma essa percepção. Após realizarem uma revisão de 37 estudos sobre o cérebro feitos a partir de exames de imagens, pesquisadores das universidades da Califórnia e do Novo México traçaram uma espécie de mapa da inteligência. Eles definiram algumas áreas-chaves para o processamento do raciocínio (leia quadro ao lado). Um feito importante, sem dúvida, mas que revelou outra constatação surpreendente: de fato, o processo pelo qual uma pessoa formula soluções, interpreta situações e projeta perspectivas é muito mais dinâmico do que se supunha e envolve diversos circuitos cerebrais. "Os trabalhos têm mostrado que a inteligência está relacionada a quanto as informações viajam bem pelo cérebro. Isso mostra que ela não é um conceito estático", afirmou Richard Haier, um dos coordenadores do estudo.

Baseados nesse entendimento, os pesquisadores procuram descobrir quais os estímulos para expandir a capacidade cognitiva. Como se viu pelos trabalhos anteriores, treinar a memória – tanto a de curto quanto a de longo prazo – é uma das estratégias. Dessa forma, é como se fornecêssemos ao cérebro um banco de informações do qual ele possa fazer uso para tirar as conclusões necessárias com a maior eficiência possível.
 

Mas há outros ingredientes para incrementar essa receita. Recentemente, por exemplo, novos trabalhos confirmaram a importância do esporte. Um dos últimos apontou inclusive que até os indivíduos que têm o hábito de assistir a alguma competição esportiva ficam com o raciocínio mais afiado. Mas entre os praticantes os efeitos são significativos, como demonstrou uma pesquisa da Universidade de Edimburgo, na Escócia, publicada na revista Neurology. Os cientistas acompanharam 460 homens e mulheres submetidos a testes de QI – quociente de inteligência – quando tinham 11 anos e depois aos 79. "Os que faziam exercícios tinham melhor desempenho", afirmou Ian Deary, autor do trabalho. Algumas hipóteses explicariam a conclusão. Uma delas é a de que a malhação permitiria a boa oxigenação cerebral – fundamental para o bom funcionamento dos neurônios. A prática também aumenta a concentração e coordenação, como assegura o administrador de empresas Henrique Veniziani, 28 anos, adepto do arco-e-flecha. Há três anos ele treina na Escola Arqueiria Ibirapuera, em São Paulo. "Essas habilidades ficaram mais aguçadas", conta.

Outro elemento importante é a música. Tocar um instrumento ou simplesmente escutar melodias sofisticadas aumenta a conexão entre diferentes partes do cérebro, tornando mais rápida e eficaz a tal "viagem" de dados já associada à inteligência. "Também observamos maior capacidade intelectual nos indivíduos com facilidade para acompanhar ritmos", explicou Fredrik Ullén, do Instituto Karolinska, na Suécia, estudioso do tema.
 

A ciência também indica que prestar atenção ao que se come pode ajudar. Diversos trabalhos têm mostrado os bons efeitos de uma dieta rica em ômega 3, nutriente encontrado em peixes como salmão e sardinha, e em colina, presente em ovos. "Esses compostos elevam a quantidade de transmissão de informações entre um neurônio e outro", informou Richard Wurtmanm, do Massachusetts Institute of Technology, autor de trabalho sobre o tema concluído dois meses atrás. Além disso, está comprovada a relação entre aleitamento materno e inteligência. O estudo mais recente sobre o assunto foi divulgado em maio no Archives of General Psychiatry, publicação da Associação Médica Americana. Numa pesquisa feita no Canadá ficou claro que os bebês amamentados apresentaram índices mais altos de capacidade de aprendizado e raciocínio seis anos depois.

Na lista dos elementos benéficos entram ainda três componentes interessantes. O primeiro é a socialização, segundo revela uma pesquisa da Universidade de Michigan (EUA). Comparando pessoas com maior e menor grau de relações sociais – amigos, familiares, contatos profissionais -, os cientistas descobriram que aqueles com níveis mais altos de interação eram os mais inteligentes. O segundo diz respeito à crença de que é possível moldar e incrementar a inteligência. Numa pesquisa realizada com estudantes de idade média de 12 anos, cientistas da Columbia University (EUA) verificaram que quem acredita que pode melhorar de fato evolui. E o terceiro é estar aberto ao novo. "Isso aumenta a rede de contato entre os neurônios", explica Denise de Castro Menezes, professora de bases neurológicas do psicodiagnóstico da PUC/SP.

Outro aspecto bastante investigado atualmente diz respeito aos indivíduos com inteligência muito superior à média, os chamados gênios. Os pesquisadores querem saber quais os fatores que propiciam seu surgimento, além da clássica combinação estímulos ambientais e genética – alguns genes associados ao intelecto já foram identificados. Também há um esforço para que essas pessoas se adaptem ao cotidiano e, ao mesmo tempo, consigam usar seu potencial. Em São Paulo, por exemplo, o Colégio Graphein especializou-se no atendimento a crianças extremamente inteligentes. "Muitas têm problemas em escolas convencionais. Como aprendem rápido, ficam inquietas e podem atrapalhar as aulas", explica Nívea Fabrício, diretora do colégio. Breno Antunes, 12 anos, é um dos alunos do Graphein. A escola preparou para ele um programa bem centrado na área de ciências, tema de seu interesse. "Desta forma trabalhamos o conteúdo para o qual ele está pronto e sua fome de conhecimento é satisfeita", explica Josef Vainboim, outro diretor da instituição.

Colaborou Greice Rodrigues