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Há quem diga que Jesus Cristo tenha sido o grande comunicador da história das religiões. Em seus discursos, ele se posicionava a favor do vento para que sua voz ganhasse amplitude. Utilizava a simbologia da palavra "pastor" para mostrar a importância de ser líder das "ovelhas desgarradas". Nos sermões para as multidões, a montanha era seu palco. A tática, mesmo que não intencional, funcionou. Milhões de pessoas se viram – e se vêem – representadas em suas metáforas, arquétipos e alegorias.

Séculos mais tarde, tanto a mensagem quanto a forma de linguagem continuam sendo utilizadas, agora amplificadas pelos meios de comunicação de massa. Atualmente, esse é o método mais eficaz de conquistar – e manter – fiéis. A Igreja Católica, o grande pilar do cristianismo no mundo, se manteve distante – e arredia – dos recursos da mídia durante muito tempo, mas há alguns anos rendeu-se definitivamente ao seu poder. No Brasil, depois de engatinhar e perder para os evangélicos nesse campo, os católicos dão passos seguros em direção à profissionalização. Hoje, alcançam fiéis com 13 emissoras de tevê, 97 rádios, dez gravadoras e 40 editoras (leia quadro à pág. 68). Tentam com esses recursos ampliar seu rebanho.

Os pioneiros na entrada profissionalizada da mídia como reforço da prática da fé foram os evangélicos pentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus, que atualmente tem a Record como carro-chefe). Com o discurso adaptado aos novos tempos, o número de seguidores no Brasil aumentou de 3,4% para 15% em 50 anos. Inversamente, os católicos diminuíram de 93% para 73% no mesmo período. "Devemos copiar aquilo que deu certo na forma com que os evangélicos utilizam a grande mídia", reconhece o monsenhor Jonas Abib, fundador da Canção Nova, o maior pólo de comunicação católica do Brasil. Diante do desafio, a Igreja se movimenta na luta pelos holofotes. O contra-ataque foi iniciado na década de 70, com os shows em estádios do padre Zezinho, que substituiu o estilo de composição litúrgica pelo popular. E consolidado com a explosão na mídia em 1998 do padre Marcelo Rossi, religioso que levou a palavra de Deus aos programas de auditório da televisão, trios elétricos, shows de artistas leigos e cinema, abriu caminho para novos talentos católicos e fomentou uma vasta indústria de entretenimento religioso.
 

i62571.jpgA mudança de atitude já promove resultados. A cada ano, aumenta o número de padres cantores, festivais profissionais de música, livros, revistas, discos, DVDs, programas de rádio, tevês, além de sites, blogs e, até mesmo, feira de produtos e serviços semelhante aos grandes salões de negócios. Os CDs, produzidos há dez anos em pequenos estúdios das gravadoras religiosas, ganham espaço nas gigantes, como Sony e Som Livre, que ainda gravam DVDs ao vivo de espetáculos com milhões de fiéis.

Para adequar o cristianismo à mídia e lançar outros "padres Marcelos" no mercado, surgiram as empresas especializadas em artistas católicos e na produção de festivais de porte, como o Hallell e o Halleluya, que reúnem cerca de 850 mil pessoas em várias cidades do Brasil, com patrocínio de grandes marcas, como Coca-Cola e Claro. A Talento Produções lançou nomes como padre Fábio de Melo, Adriana, Ziza Fernandes e Eros Biondini. Já a Codimuc seguiu o filão da música para jovens e produz o material publicitário das bandas católicas de pop rock, axé e eletrônico que agradam ao público, como Anjos de Resgate e Rosa de Saron.

O primeiro festival Halleluya ocorreu em 1995, para apenas 500 pessoas e com poucos artistas se apresentando. "Hoje, temos um espaço de 22 hectares, reunimos 650 mil pessoas e 25 bandas de música", comemora Aurinilton Leão, coordenador e membro da Shalom, a primeira comunidade católica brasileira a ser reconhecida pelo Vaticano. Nesses eventos, não é cobrado ingresso. E, se há entrada de dinheiro, ele é revertido para novos shows.

Nem todos os membros da Igreja aprovam a relação dos padres com a indústria cultural. "A grande maioria dos católicos que participam destes festivais não vai às missas. Eles rejeitam a profundidade porque só querem saber de cantar e dançar. É uma forma de oferecer uma religião à la carte", diz padre Pedro Gilberto Gomes, pró-reitor acadêmico da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul.
 

Produtores católicos investem na qualidade do material de divulgação dos artistas. Eles cantam em festivais para multidões e recebem convites das grandes gravadoras para lançar CDs e DVDs ao vivo

A nova forma de fazer religião, popularizada pelo movimento da Renovação Carismática Católica, famoso por introduzir elementos emocionais e muita música e coreografia às celebrações, ganhou força no Brasil apenas nos últimos dez anos, mas se fundamenta numa antiga orientação do Vaticano. Em 1975, o papa Paulo VI assumiu a crise institucional da Igreja e fez um apelo aos eclesiásticos no documento oficial Evangelii Nuntiandi. "Façam chegar ao homem moderno a mensagem cristã por todos os meios que estejam ao seu alcance." Com base no pedido institucional, a Canção Nova, pioneira na entrada dos católicos no rádio, em 1978, e na tevê, em 1989, derrubou o muro de isolamento da Igreja e popularizou a comunicação com o povo.

Apesar da intenção inovadora, a estrutura era precária. No primeiro ano da rádio, a comunidade não tinha verbas para aquisição de equipamentos profissionais e dependia de doações. Os programas eram gravados num pequeno estúdio e ganhavam os fiéis pela animação. "Era um programa de evangelização com músicas que tinham influências rítmicas da jovem guarda e do pop rock. As pessoas adoravam", conta monsenhor Jonas. O sucesso foi tanto que três emissoras grandes de rádio na época se interessaram na transmissão do programa. Com o aumento das doações, a Canção Nova comprou a Rádio Bandeirantes. Hoje, a comunidade ocupa uma área de 46 hectares em Cachoeira Paulista (SP) com mais de mil membros que vivem numa espécie de "hollywood religiosa". "Nosso desafio agora é sair do analógico e digitalizar a transmissão", diz monsenhor Jonas. A Canção Nova, que será reconhecida oficialmente pelo Vaticano no dia 3 de novembro, prova que o futuro da Igreja está na mídia. "Se Jesus fosse vivo hoje, falaria na televisão", aposta Kater – e muitos religiosos que seguem à risca o novo manual de comunicação da Igreja Católica.