Um procedimento administrativo foi aberto nos últimos dias na Polícia Federal, em Minas Gerais, para apurar as possíveis irregularidades cometidas na Operação João-de-Barro, esquema criminoso que desviou mais de R$ 700 milhões dos cofres do Orçamento da União, incluindo verbas do PAC. A alta cúpula da polícia quer saber se houve negligência ou desvio de conduta de agentes durante a investigação. O problema que bate às portas da PF é dar uma resposta convincente ao Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou escutas telefônicas de Romênio Pereira, secretário nacional do PT, pedidas pelo Ministério Público mas não realizadas pela polícia, conforme revelou ISTOÉ na edição 2025. Nos relatórios, os investigadores justificaram que tecnicamente os grampos não puderam ser instalados na sede do PT porque a escuta acabaria bisbilhotando as conversas de mais de 200 pessoas.

O argumento, a princípio, não colou. Há quem diga que o que ocorreu na PF foi, de fato, um esquema de blindagem do petista. Oficialmente, a PF não comenta o caso e, laconicamente, diz que a operação está sob sigilo.

SUSPEITA Romênio Pereira acredita que seu apoio à aliança do PT com os tucanos na eleição municipal de Belo Horizonte tenha sido o motivo que levou adversários no partido a derrubá-lo da direção

 

Enquanto a PF investiga a PF, o exchefe petista leva uma vida quase "clandestina" no mundo partidário. Sem aparecer em público desde que as denúncias o catapultaram da cadeira de secretário nacional do partido, Romênio tem dedicado boa parte de seu tempo à procura dos desafetos que o teriam defenestrado. E aos poucos que freqüenta ele garante que vai voltar e vingar-se deles.

Mas sua situação não é tão boa como ele tem apregoado. Na última semana, Romênio anunciou que iria participar de uma caminhada ao lado do candidato Márcio Lacerda (PSB) pelas ruas de Belo Horizonte. Foi discretamente barrado.

Não dá para o candidato com chance de vitória no primeiro turno aparecer ao lado dele", disse um dos coordenadores da campanha de Lacerda. Em sua avaliação, ele caiu justamente por apoiar a candidatura de Lacerda – uma articulação do prefeito petista Fernando Pimentel com o governador tucano Aécio Neves. De acordo com petistas ouvidos por ISTOÉ, Romênio atribui o vazamento da investigação a integrantes da corrente de esquerda Democracia Socialista e ao grupo da tendência moderada Articulação, do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e do secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, radicalmente contrários ao apoio dos tucanos.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini, diz que a iniciativa de retornar ou não à direção nacional do partido cabe unicamente ao próprio Romênio Pereira. "Ele pediu uma licença; quando quiser retornar, retorna", disse Berzoini. "Não há elemento que o incrimine", diz Berzoini. O presidente do PT rechaça a possibilidade de proteção política a Romênio. "Não acredito nisso. Não há nenhuma intervenção política da nossa parte, nem poderia haver.

As investigações são autônomas. Não poderia haver qualquer intervenção indevida de nossa parte sem que isso não provocasse uma reação imediata de pessoas que estão conduzindo a investigação, na PF ou no Ministério Público", argumenta ele.

Na quinta-feira 11, a Polícia Federal alegou oficialmente que o suposto erro cometido na investigação poderá ser sanado porque a Operação João-de-Barro entrará agora numa segunda fase. Na primeira fase, diz a PF, buscou-se saber quem seriam os integrantes diretos da quadrilha. Agora, irá verificar quem se relacionava com ele e qual a dimensão desse relacionamento. Nesse sentido, Romênio voltaria a ser investigado. Em Minas Gerais, terra de Romênio e onde se centralizam as investigações, essa desculpa tem nome: "Conversa pra boi dormir". Afinal, agora Romênio sabe que está sendo investigado e, claro, não dirá ao telefone algo que o comprometa.

Procuradas por ISTOÉ, as autoridades envolvidas no caso evitaram comentários sobre a possibilidade de proteção política ao PT na Operação João-de-Barro. O ministro Cezar Peluso, que autorizou a escuta, informou que não se pronuncia a respeito de processos de sua responsabilidade, especialmente se correm em segredo de Justiça. Da mesma maneira se pronunciou o procurador Zilmar Antonio Drummond, do MPF, que pediu a escuta. De Genebra, na Suíça, o ministro da Justiça, Tarso Genro, a quem a PF é subordinada, disse que não tem "mais nada a dizer" sobre o caso, uma vez que a PF já se manifestou e a PF é um órgão do Ministério da Justiça.

A verdade, porém, é que, quando se trata de investigar petistas, a rapidez e o açodamento da Polícia Federal verificados na Operação Satiagraha dão lugar a omissões inexplicáveis. Romênio não é o único petista que pode escapar por conta de supostos erros na investigação João-de-Barro. O prefeito licenciado de Palmas, Raul Filho, que disputa a reeleição, também foi poupado do grampo telefônico. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram como o prefeito teria agido para direcionar a licitação de uma obra de drenagem e pavimentação asfáltica na periferia de Palmas em favor do consórcio Prefisan/Compav. A obra, orçada em R$ 55 milhões, recebe recursos do PAC. Em troca do favor ao esquema, Raul Filho teria ganho de presente um aparelho de ginástica, no valor de R$ 9 mil, do mesmo esquema que supostamente estaria ligado a Romênio. Em um conversa interceptada pela polícia, fala- se também num pagamento de R$ 200 mil. Mas, embora os documentos apontem para a ação de Raul Filho em favor do consórcio, a polícia não colocou o nome do prefeito na lista das escutas solicitadas.