Francisco Ambrósio diz que seu depoimento em inquérito da PF foi armado e que teve acesso a e-mails

O espião Francisco Ambrósio do Nascimento está com medo. Na quinta-feira 11, escondido no décimo andar de um edifício onde seu advogado tem escritório, ele tremia as mãos ao receber a reportagem de ISTOÉ. "Não posso mais caminhar com tranqüilidade pelas ruas de Brasília", disse o ex-agente do extinto Serviço Nacional de Informações, que coordenou os trabalhos de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Ambrósio teme pagar sozinho uma conta que relaciona grampos ilegais envolvendo ministros, parlamentares e autoridades das mais altas cortes da Justiça brasileira. Ele afirma que o depoimento prestado na PF no sábado 6 foi induzido por dirigentes da Abin com o propósito de proteger a instituição e desqualificar a investigação. "Querem me transformar em um bode expiatório", assegura o espião. A seguir, a entrevista concedida por ele.

ISTOÉ – Em seu depoimento na Polícia Federal o sr. contou tudo o que viu durante as investigações da Operação Satiagraha?
Francisco Ambrósio

Meu depoimento só serve para tentar acabar com a Operação Satiagraha, dizendo que eu tive acesso a informações do grupo e ao processo em si, que, como pessoa de fora, não poderia ter.

ISTOÉ – Alguém disse como deveria ser o seu depoimento?
Francisco Ambrósio

O delegado Renato Porciúncula (assessor especial da Abin) falou que estava me armando, antecipando para que eu fosse voluntariamente depor, pois isso melhoraria minha situação dentro do inquérito.

ISTOÉ – O depoimento foi preparado?
Francisco Ambrósio

Sim. O Porciúncula pegou o telefone dele e marcou para as 10 horas no sábado. Eu queria ir na segunda- feira. Ele falou: "Bicho, vai amanhã às 10 que está tudo acertado."

ISTOÉ – Isso ocorreu na sexta-feira 5. Havia mais alguém nessa conversa?
Francisco Ambrósio

 O delegado Paulo Maurício (diretor afastado da Abin). Ele estava preocupado com a instituição.

ISTOÉ – Por que a Abin acertou uma versão para seu depoimento na PF?
Francisco Ambrósio

Acho que era uma defesa natural de cada órgão. Qual era a intenção? Era saber se eu sabia de alguma coisa. Só que eu não sabia.

ISTOÉ – Por que a Abin acertou uma versão para seu depoimento na PF?
Francisco Ambrósio

Acho que era uma defesa natural de cada órgão. Qual era a intenção? Era saber se eu sabia de alguma coisa. Só que eu não sabia.

Como eu saí como o espião da República que saiu grampeando os Três Poderes, queriam saber de mim se realmente houve aquilo. Então eles disseram: "Bom, se não houve, o próprio presidente do inquérito está querendo livrar tua pele. Então, vamos fazer isso, não sei o que…" Se eu fosse lá sem ter pelo menos, vamos dizer assim, um amigo lá dentro, o DPF (delegado da Polícia Federal), encarregado do negócio, ia cair matando. Acho que houve um acerto.

ISTOÉ – Acerto para quê?
Francisco Ambrósio

Para que a única coisa que se extraísse do meu depoimento fosse que o Francisco Ambrósio manuseava documentos da Operação Satiagraha, o que provocará a nulidade do processo.

ISTOÉ – Qual foi sua participação na Satiagraha?
Francisco Ambrósio

Fui apenas mais um integrante da equipe do delegado Protógenes em Brasília. Me colocaram como sendo do SNI, mas sou aposentado pela Abin e estou afastado desde 1998.

ISTOÉ – O sr. fazia investigação de rua?
Francisco Ambrósio

Com relação a escutas telefônicas clandestinas e ilegais, em hipótese nenhuma. Ocupei, no edifício- sede da Polícia Federal, uma sala no quinto andar, ao lado da sala do diretor.

ISTOÉ – Como é que o sr. entrava na Divisão de Inteligência?
Francisco Ambrósio

No quinto andar, normalmente, como eu chegava após o começo do expediente, sempre havia alguém ali na recepção que abria aporta.

ISTOÉ – O sr. usou o crachá de uma funcionária da Polícia Federal?
Francisco Ambrósio

Dois ou três dias. Esse crachá, inclusive, era de uma funcionária que trabalhava na nossa sala. Todos os dias, quando eu voltava do almoço, ficava esperando de dez a 15 minutos para entrar na sala. A funcionária, gentilmente, perguntou se eu não queria evitar ficar ali no corredor, que ela me emprestaria um crachá que estava sobrando.

ISTOÉ – Qual o nome da funcionária?
Francisco Ambrósio

Prefiro não citar nomes. É uma agente da PF.

ISTOÉ – Então ela tinha dois crachás?
Francisco Ambrósio

Ela me emprestou um deles para que eu usasse e entrasse na Divisão de Inteligência.

ISTOÉ – O senhor tinha uma sala?
Francisco Ambrósio

Ocupava a sala de reuniões do diretor.

ISTOÉ – Havia quantos computadores lá dentro?
Francisco Ambrósio

Devia ter uns seis. Eu usava um modelo antigo, com aquele monitor normal. Os mais novos ficavam com o pessoal. Esse é o único em que eu mexia durante os seis meses que estive lá.

ISTOÉ – O sr. fez análise do HD do Banco Opportunity?
Francisco Ambrósio

 Eu trabalhei em cima do HD, mas em nenhum momento eu fiz análise. A vista que eu tive da coisa era totalmente superficial e nem sequer dava para chegar a uma conclusão. Então, o que poderia acontecer? Se visse uma planilha, por exemplo, eu separava para a parte financeira; se vinha alguma coisa da parte administrativa, jogava para o perito da equipe.

ISTOÉ – O HD tinha informações sigilosas. O sr., não sendo servidor, não pensou que pudesse prejudicar toda a operação?
Francisco Ambrósio

Sim, eu pensei. Mas, como eu estava dizendo, eu não fazia análise.

ISTOÉ – O sr. teve acesso a e-mails?
Francisco Ambrósio

Sim, mas eu não chegava a fazer uma análise deles.

ISTOÉ – Qual o critério que o sr. usava para separar os e-mails?
Francisco Ambrósio

Vamos supor o seguinte: tem coisa que é lixo, é spam, então o que é spam automaticamente você já sabe que é spam, você nem olha.

ISTOÉ – O sr. teve acesso a um e-mail da Verônica Dantas, interceptada conversando com um advogado do Opportunity, quando ela fala de investimentos?
Francisco Ambrósio

Este e-mail não estava comigo. Isso foi falado na sala. Foi comentado por algum perito. Eu escutei. Posso sim, ter conversado lá…

ISTOÉ – Este e-mail é o que a Verônica Dantas chama o delegado Protógenes de palhaço?
Francisco Ambrósio

Acho que era, acho que sim.

ISTOÉ – Não encontramos este e-mail na investigação oficial. É um e-mail que foi interceptado de maneira ilegal?
Francisco Ambrósio

Não sei. O que tenho absoluta certeza, da minha presença ali, é que tudo que estava sendo feito era de forma legal.

ISTOÉ – O delegado Protógenes pagava o sr. em dinheiro?
Francisco Ambrósio

Pagava em dinheiro e eu assinava recibo.

ISTOÉ – Era um serviço legal?
Francisco Ambrósio

 Fui contratado por um delegado que presidia um inquérito.

ISTOÉ – O que o senhor fazia no SNI?
Francisco Ambrósio

Trabalho de rua, nos movimentos sociais.