Golias era um gigante filisteu de quase três metros de altura, que desafiava Israel a indicar um soldado que tivesse coragem de enfrentá-lo numa luta corporal. Depois de 40 dias, apresentou-se o franzino Davi, que, segundo o relato bíblico, derrotou o adversário atirando-lhe uma pedra na cabeça. O mito, durante muitos anos, serviu ao Exército israelense, que venceu todas as guerras das quais participou, enfrentando sempre inimigos mais fortes – ao menos em tamanho. E a estrela de seis pontas do rei Davi passou a estampar a bandeira do Estado judeu, como um escudo protetor.

Na semana passada, no entanto, o mundo se deu conta de que a roupa do guerreiro primitivo não cabe mais em Israel, pois o oprimido de ontem se converteu no opressor de hoje. Um país que ataca uma embarcação humanitária, que levava comida, roupas, brinquedos e materiais de construção a uma população confinada e submetida a um humilhante bloqueio econômico, não merece outro rótulo. Especialmente quando mata nove de seus tripulantes e qualifica como “terroristas” os ativistas da flotilha da liberdade.

Israel, esse Davi moderno, cresceu e ganhou musculatura, mas perdeu inteligência ao se transfigurar em Golias. E, em vez de jogar pedras nos inimigos, decidiu atirá-las na própria cabeça. O país perdeu a opinião pública internacional, não terá mais como sustentar o imoral bloqueio imposto ao povo palestino na Faixa de Gaza e conseguiu uma proeza ainda maior: o mundo, que até ontem discutia ­sanções econômicas ao Irã, já considera mais urgente encontrar mecanismos para conter os abusos do Exército israelense – o mesmo que, numa ação recente, assassinou mais de mil palestinos e destruiu 50 mil casas do outro lado da fronteira.

O erro do governo de Jerusalém é não abrir os olhos para uma nova realidade. O mundo de hoje é pós-americano. E os Estados Unidos, o verdadeiro escudo protetor de Israel, já não podem mais agir de forma unilateral. Precisam de aliados que, até recentemente, não existiam na cena geopolítica mundial. São países como o Brasil que, de uma hora para outra, passaram a ter voz e decidiram se intrometer nesse jogo. E, enquanto em várias partes do mundo manifestantes queimavam bandeiras com a estrela de Davi, outro corpo celeste brilhava lá em cima. Era a estrela de Luiz Inácio. Se o presidente Lula vinha sendo acusado por Hillary Clinton de trabalhar por um mundo menos pacífico ao se aproximar do Irã, os Estados Unidos perderam legitimidade no debate ao não condenar o massacre cometido por Israel. Afinal, que paz é essa, em que a um único país é facultado o direito de humilhar uma população, de ignorar resoluções internacionais e de matar impunemente?


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