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DESPESA
O médico garante que paga US$ 100 por mês para
ter seu corpo preservado depois de morrer

Todo mês, o dermatologista Valcinir Bedin, 55 anos, de São Paulo, envia, religiosamente, US$ 100 a uma seguradora americana. Neste mês, quando completa 18 anos de adesão, terá desembolsado US$ 21,6 mil (cerca de R$ 40 mil) para sustentar um desejo inusitado: o de ser congelado logo após sua morte e, depois, ressuscitado. Assim que falecer, a indenização de seu seguro será entregue ao beneficiário da sua apólice, a empresa americana de criogenia Alcor, em Scottsdalle, no Arizona, nos EUA. “Eles receberão US$ 150 mil para manter meu corpo congelado até que se descubra a cura para a enfermidade que me vitimou. Pedi então para ser descongelado, revivido e tratado”, explica. Bedin anseia por uma segunda chance. “Não dá para fazer tudo o que eu quero em uma vida só. Viver é muito bom”, diz. As origens dessa escolha são antigas. Desde a adolescência, Bedin buscava uma opção para amenizar o impacto de acreditar que não há nada depois da morte.

O medico brasileiro não está sozinho em sua busca. O filho Gustavo, 20 anos, planeja seguir seus passos. E, além do médico, outras 918 pessoas de vários países destinam à Alcor entre US$ 80 mil e US$ 150 mil para que a companhia preserve seus corpos com o intuito de revivê-los dentro de 100 ou 200 anos. Na sede da companhia, há 95 clientes mantidos em grandes tanques prateados de nitrogênio líquido, a 196 graus Celsius negativos, sendo que quase 50% pediram apenas o congelamento da cabeça (as pessoas que solicitaram essa categoria imaginam que no futuro será possível criar o resto do corpo). Todos estão identificados por um código numérico colado ao tambor de metal.

Antes do congelamento – que a empresa prefere chamar de vitrificação –, o corpo de cada cliente foi submetido a um processo extenso visando à sua preservação (leia quadro abaixo). O nome dos indivíduos, segundo normas da empresa, jamais é divulgado – a Alcor, porém, informou que Bedin não está incluído em sua carteira de clientes. O médico, no entanto, assegura que está, sim, cadastrado lá. Ao todo, há no mundo seis companhias para congelamento de corpos de seres humanos e de animais de estimação. Nos EUA, o Cryonics Institute, em Michigan, por exemplo, tem preços menores do que os da Alcor. Ele conta com 866 clientes e afirma ter 95 corpos congelados. Há institutos nos mesmos moldes na Índia e na Rússia.

A rigor, o que o médico brasileiro e os outros indivíduos estão comprando é esperança. Nas informações enviadas à ISTOÉ, a própria Alcor admite que não existe tecnologia capaz de reanimar corpos congelados. No entanto, a companhia considera correta a sua abordagem de mercado, afirmando que sua intenção é preservar o organismo da deterioração após a morte até a ciência descobrir meios de retornar a vida.

Os responsáveis pela empresa acreditam que, se um cérebro puder ser conservado a ponto de reter a memória e a personalidade durante a criopreservação, será questão de tempo e engenharia para restaurar todos os outros órgãos. Muita gente discorda, é claro. E, por isso mesmo, a Alcor vive na defensiva. Ela é alvo de constantes debates e ações judiciais por causa de conflitos éticos, religiosos e familiares. Para se proteger, a companhia exige que uma autoridade independente ateste o óbito para só então iniciar seu processo de congelamento.
De acordo com a Alcor, o ideal é começar os procedimentos de criogenia poucos minutos depois de o coração parar de bater. Para facilitar isso, criou uma espécie de casa de repouso na sua sede para receber clientes em estado terminal. No caso de pessoas de outros países, pede que seus corpos sejam enviados após a morte em 24 horas, no máximo, conservados em gelo seco. “Se a pessoa que estiver comigo no momento da minha morte for decente, fará isso por mim”, diz o médico Bedin. Mas ele também está pensando em se mudar para Scottsdalle quando for velhinho.

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