O músico do Barão Vermelho diz que está na hora de São Paulo sair do comando do País e que não agüenta mais ver a esquerda se fingir de honesta

Menos rock’n’roll, mais pop e romance. Hoje, aos 46 anos, esse é Roberto Frejat, vocalista da banda Barão Vermelho. De férias do grupo pela segunda vez (ele desmente o término do conjunto que já teve Cazuza como líder), Frejat tem planos de ingressar na política para “chacoalhar uma sociedade omissa, incrédula e inerte”. Segundo ele, a sua “consciência social” vem da infância, por conta da influência de seu pai, o ex-deputado federal José Frejat. Há 12 anos anulando o voto nas eleições para prefeito do Rio de Janeiro, sua cidade natal, agora, em 2008, vai votar no candidato Fernando Gabeira. Decepcionado com o governo Lula, espera que o próximo presidente da República não seja de São Paulo “para acabar com a dinastia paulista no comando do País”. Morando no bairro carioca do Arpoador, que abrigou o Circo Voador na década de 80 e apresentou o Barão Vermelho ao Brasil, ele se ocupa, no momento, além da política, com o lançamento de seu terceiro álbum solo, Intimidade entre estranhos.

ISTOÉ – Sua fase de sexo, drogas e rock?n?roll acabou?
Roberto Frejat

Tenho uma sexualidade muito tranqüila, fiz o que gostaria de fazer. Em relação ao rock é a mesma coisa. Quanto às drogas, já usei de tudo, não tenho mais idade. Devo dizer que não me lembro de experiências negativas com drogas. E lá em casa, com exceção da dificuldade de minha mãe aceitar que eu fumasse maconha quando garoto, também não tive maiores problemas. Mas não digo para todo mundo usar. Vi muita gente ter viagens ruins ao meu lado.

ISTOÉ – Defende a legalização do consumo?
Roberto Frejat

 Não se pode mais tratar a questão das drogas do jeito que se fazia quando eu era adolescente. A droga era algo que a gente usava para a expansão da consciência. Hoje, virou um grande comércio, um dos maiores, inclusive. É impossível para qualquer país combater um negócio como esse. É uma guerra inútil. É muito melhor tratar o desvio, o descaminho que ela pode causar para algumas pessoas.

ISTOÉ – Como?
Roberto Frejat

A venda deveria ser controlada e os impostos investidos na saúde. O dinheiro da venda de cigarro e de bebida, que são drogas muito poderosas e podem causar tantos danos quanto a cocaína, não é revertido para o tratamento de vítimas de câncer de pulmão ou de alcoolismo. Se os impostos arrecadados com a venda de drogas fossem direcionados a centros de tratamento de dependência, por exemplo, teríamos um grande financiamento para a saúde pública. O usuário chegaria à farmácia e assinaria um documento, como acontece com os medicamentos de tarja preta. Essa questão é muito grave, mas eu posso ser preso por apologia ao uso de drogas apenas por defender essa opinião. Temos esse nível de tacanhice na discussão.

ISTOÉ – Como fala de drogas com seus filhos?
Roberto Frejat

No momento em que eles quiserem conversar sobre isso, eu estarei disposto. Se eu começasse a tocar no assunto chamaria a atenção de uma maneira errada. Com a experiência que tenho, posso passar para eles informações mais confiáveis, a partir das quais poderão construir sua própria forma de lidar com as drogas. Não posso impor nada, a não ser que eles entrem num caminho perigoso. Fora isso, eles têm direito de fazer o que acharem melhor. Mas se meu filho de 12 anos quisesse experimentar, eu diria que acho melhor começar um pouquinho mais tarde, porque é preciso certa estrutura psicológica.

ISTOÉ – Já escolheu candidato para a Prefeitura do Rio de Janeiro?
Roberto Frejat

Há pelo menos 12 anos voto nulo para prefeito do Rio de Janeiro, pela ausência de um candidato digno. Agora tenho um candidato, que é o Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS), e vou fazer campanha para ele. Mas nunca deixei de votar para nenhum candidato do Legislativo.

ISTOÉ – Votou no presidente Lula?
Roberto Frejat

Não, nunca fui eleitor dele.

ISTOÉ – Por quê?
Roberto Frejat

Nunca me iludi com o sonho do PT, achava que era conversa de quem nunca tinha governado. Estou cansado de ver a esquerda tirando onda de honesta. A honestidade está na pessoa. Havia uma visão estatizante da política que não me agradava. Quando o PT entrou no governo, só o víamos fazendo fóruns. Na verdade, eles não sabiam nada. Nunca souberam. O tal projeto político que o PT sempre defendeu nunca existiu.

ISTOÉ – Decepção, então?
Roberto Frejat

 Incomoda-me muito a cara-depau do governo, a do Lula especialmente, que simplesmente finge não saber de nada. Se não sabe de nada, é no mínimo um incompetente. Se sabe, é corrupto. Outra coisa que chega a ser constrangedora é essa política assistencialista, de usar o programa Bolsa Família de maneira tão eleitoreira. Além disso, tenho de aceitar o Lula no mesmo palanque que o Jader Barbalho, dizendo que está dando aula de sociologia política. É um atentado à minha inteligência.

ISTOÉ – O que espera das próximas eleições presidenciais?
Roberto Frejat

Está na hora de São Paulo sair do comando do País. Os políticos paulistas muitas vezes têm uma visão regionalista das necessidades do Brasil. Nada contra São Paulo, mas precisamos ampliar os horizontes.

ISTOÉ – Apesar de tudo, entrar na política é uma opção?
Roberto Frejat

Talvez. Até para dar uma contribuição à sociedade. Numa posição como essa, pode-se fazer crescer toda uma estrutura cultural no País. Pode ser uma bela missão. Mas é um momento de despojamento, durante o qual brigase por aquilo 24 horas.

ISTOÉ – Por enquanto prefere atuar nos bastidores?
Roberto Frejat

Sim. A relação entre a figura pública e sua participação na sociedade é muito delicada. Ao atrelar suas posições ao seu trabalho, em certo momento algumas pessoas podem se prejudicar. Quantas pessoas começaram a achar o Sting chato porque ele estava defendendo a Amazônia? De tanto defender a Amazônia começaram a achá-lo chato, a achar o trabalho dele chato, a dizer que defender a Amazônia era chato. Mas eu não me omito. Pelo contrário. Acho que a classe artística é omissa.

ISTOÉ – Cite um exemplo.
Roberto Frejat

A questão da numeração dos discos. Poucas pessoas acreditavam que íamos conseguir numerar. Quem acabou indo ao Palácio do Planalto discutir as coisas fui eu e o Ivan Lins. O Lobão iria, mas algumas pessoas mostraram resistência ao nome dele. Conseguimos numerar os CDs. É muito difícil realizar coisas no Brasil: há descaso, incredulidade, inércia das pessoas.

ISTOÉ – A política cultural melhorou com Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Roberto Frejat

Nunca um Ministério da Cultura teve tanta visibilidade. Nesse sentido, acho que o Gil conseguiu mobilizar atenção e suporte maiores do que a Pasta teve em outros momentos. Infelizmente ele não conquistou 1% do orçamento para a cultura, que era uma luta de toda a classe, por insensibilidade do governo. Talvez seu maior obstáculo tenha sido querer conciliar as atividades de ministro e de artista. Isso dificultou o dia-adia de convivência com o poder, porque é preciso circular pelo Congresso, falar com as pessoas.

ISTOÉ – A indústria fonográfica está em crise. Há saída?
Roberto Frejat

Com CD não dá mais para ganhar dinheiro. É preciso achar outro caminho. Por exemplo, todos esse sites de compartilhamento de arquivos, seja o YouTube, seja o MySpace, estão fazendo dinheiro com a música gerada por outras pessoas. Eles deveriam ser os responsáveis por remunerar os artistas. Pode ser o rumo para um equilíbrio. Passamos por um processo de transição muito radical que não chegou a lugar nenhum até agora, e no meio do caminho muita coisa já se perdeu em material humano. Por isso, ficaria até mais feliz se meus filhos, que já mostram interesse pela música, escolhessem outro trabalho e a tivessem apenas como prazer. A música nem sempre é gratificante.

ISTOÉ – Fazer mais shows é uma alternativa a esse quadro?
Roberto Frejat

Não se pode aumentar a rotina de shows. Os artistas continuam os mesmos. O problema é ter visão corporativa no mercado de shows, porque ele não funciona assim. Pela lógica corporativa, se um show faz sucesso, na próxima temporada se marcam cinco. Depois, serão dez. Mas a arte não funciona dessa forma. Os shows são a arte em seu momento mais puro. Claro que pode virar um espetáculo de luz e som, mas o que seduz as pessoas é ver um artista subir ao palco e cantar uma música que emocione. Não é uma produção em série.

ISTOÉ – Todo vocalista que parte para uma carreira solo acaba sendo criticado por capitalizar com o sucesso da banda que o projetou. Isso é mesmo um problema?
Roberto Frejat

É lógico que estou capitalizando com o sucesso do Barão Vermelho. Até porque é um sucesso meu também. Todos os integrantes do grupo têm o mesmo direito. Estão até fazendo isso, porque eu chamei a atenção deles. Não roubei algo para mim.

ISTOÉ – Como os fãs da banda recebem seus discos solo?
Roberto Frejat

Não fiz o trabalho querendo seduzir o público roqueiro do Barão. Ele tem um outro tipo de linguagem, mais pop, com uma pegada mais romântica, que abrange um público maior, de oito a 80 anos. Mas os fãs me respeitam. No início, o desafio era descobrir a minha sonoridade. Nesse terceiro disco as pessoas já olham e dizem: essa é a cara do Frejat. Está rico em parcerias, com Zeca Baleiro, Zé Ramalho, Leoni e outros.

ISTOÉ – E a parceria com Cazuza?
Roberto Frejat

Construímos uma coisa muito bonita juntos. Não se pode, em nenhum momento, dissociar o nome dele do meu. Uma parte muito consistente da obra dele foi criada em parceria comigo. É a mesma coisa de falar do Vinicius de Moraes e não falar do Toquinho ou do Baden Powell. Só acho um equívoco nos compararem um com o outro, porque tínhamos propostas muito diferentes.

ISTOÉ – A vida louca do Cazuza provocou atritos?
Roberto Frejat

Com certeza. Tivemos brigas feias em diferentes ocasiões. Certa vez aconteceu na casa do Cazuza, logo depois de ele voltar de Boston, onde estava se tratando. Ele tinha quase morrido, mas voltou e estávamos todos muito felizes. Fomos almoçar, e ele, ainda bastante frágil, tomou vinho. Quando encheu o segundo copo, eu disse que não entendia o que estava querendo. Ele começou uma história de que seus heróis tinham morrido cedo. Disse que iria embora e discutimos.

ISTOÉ – E aí?
Roberto Frejat

Ele acabou largando o copo e pedindo desculpas. Outra situação completamente diferente aconteceu antes de um show. Ele entrou no banheiro para cheirar e brigamos porque eu achava que ele não ia cantar nada depois de dar aquele teco. Tive de arrombar a porta, ela bateu e feriu-lhe a cabeça.