É variada a fauna dos corruptos e corruptores envolvidos nos últimos escândalos, mas nas investigações da Polícia Federal é sempre o mesmo espécime que aparece como intermediário entre o público e o privado: o lobista. A assiduidade nas tramóias é tão grande que há tempos o substantivo virou quase sinônimo de desonesto.

Apesar do estigma, os verdadeiros profissionais do lobby – que defendem interesse de grupos junto a políticos e governos – estão se unindo para tirar da palavra e da função a carga negativa que assumiram. "Nem todo mundo que procura um deputado ou um governante é lobista", corrige Guilherme Farhat, sócio da Semprel, um dos escritórios de lobby mais importantes de Brasília. "O nome certo para quem patrocina a corrupção é corruptor." O ponto mais importante na cruzada para limpar a imagem da atividade e de seus praticantes é a formação de uma entidade de classe, a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), que deverá ser criada no fim de junho, com cerca de 400 integrantes. Agora, os fundadores elaboram um código de conduta. "Queremos separar o joio do trigo", adianta Guilherme Costa, que representa a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Os profissionais da área dizem que sua função não tem nada a ver com intermediar maracutaias. "Lobby é algo feito às claras, é uma forma de segmentos minoritários da sociedade traduzirem os seus assuntos para o Legislativo e o Executivo", explica o goiano Umbelino Lôbo, que dá nome a uma das principais agências de "relacionamento governamental" do País. Em sua profissão, ensina Umbelino, mais importante do que os relacionamentos pessoais é o conhecimento sobre os processos decisórios. Compara seu ofício com a profissão de intérprete: "É um trabalho de traduzir o empresariês para o politiquês ou o burocratês e viceversa", brinca. Ele conta que a primeira pergunta feita ao cliente que o contata é se o interesse em questão pode ser defendido em público, em cadeia nacional de televisão, ou seja, se é lícito e correto. "Se ele disser que não, eu não aceito", garante. Quando assume uma demanda, logo deixa claro que nunca vai sozinho ao deputado ou à autoridade pública responsável pela decisão pretendida. "Não atuo como intermediário entre o privado e o público. Levo junto o representante do cliente."

TRANSPARÊNCIA O lobista Umbelino Lôbo nunca vai sozinho falar com deputados ou qualquer autoridade; leva junto o representante do cliente

FOTOS: ROBERTO CASTROA seqüência de escândalos em que a atividade é associada a jogadas escusas deixa irritados aqueles que querem trabalhar sério. Guilherme Farhat pede mais cuidado na identificação de um desses intermediários da corrupção. "Incomoda ver descritas como lobistas pessoas que fazem atos ilícitos", diz ele. "Lobista é aquele que representa interesses legítimos junto ao governo ou aos deputados." Ele lembra que, além das empresas, também sindicatos, organizações não-governamentais e outros segmentos da sociedade usam o lobby como ferramenta. Guilherme tem sólidos conhecimentos sobre a atividade, pois teve quem lhe desse lições dentro da própria família. Mais precisamente o avô, o ex-ministro Said Farhat, que lançou recentemente pela editora Peirópolis o livro Lobby – o que é. Como se faz. A definição do autor é bem detalhada: "Lobby é toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética por um grupo de interesses definidos e legítimos, com o objetivo de ser ouvido pelo poder público para informá-lo e dele obter determinadas medidas, decisões, atitudes." No mesmo livro, Said faz questão de definir o que não é a função: "Tráfico de influência (…); jogadas escusas (…); uso de dinheiro para obter favores; também não é aquilo mais bem caraterizado e entendido (…) pelo nome certo de corrupção."

LIMPAR A IMAGEM Guilherme Costa, representante da Fiesp, acredita que verdadeiros lobistas devem se esforçar para separar o joio do trigo

Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, o lobby é aceito e regulamentado, com regras claras que servem para punir os corruptos e identificar profissionais sérios. No Brasil, um caminho para chegar perto desse estágio seria a aprovação do projeto de lei do senador Marco Maciel (DEM/PE), que regulamenta o lobismo. O texto, com nada menos do que 18 anos, foi aprovado pelo Senado, mas empacou na Câmara dos Deputados e está lá até hoje. "Essa lei seria um primeiro passo para aprimorar o exercício do lobby", explica Maciel. "Uma vez aprovada, poderíamos discutir suas vulnerabilidades e pensar em melhorias, mas os lobistas passariam desde já a ser credenciados no Congresso." O representante da Fiesp não sabe se ainda é possível salvar o termo da demonização, mas acha que há uma grande diferença entre os elementos criminosos que se escondem nas sombras de Brasília e os profissionais que representam interesses legítimos.

"Aqueles procuram influenciar políticos e altos funcionários com dinheiro", diz Guilherme Costa. "Em nosso processo de convencimento, usamos pesquisas, estudos e bons argumentos." Só confunde um com o outro quem quer.