O psiquiatra gaúcho Cláudio Eizirik identifica no atual momento da sociedade brasileira uma forte sensação de luto. “Esperava-se um sopro renovador, que lamentavelmente não aconteceu”, resume. Aos 60 anos, Eizirik assumirá no domingo 31 a presidência da Associação Psicanalítica Internacional, (IPA), a mais importante entidade do gênero, fundada por Sigmund Freud em 1910. Sua posse, à frente de 11 mil membros espalhados por 35 países, acontecerá no Rio de Janeiro durante o Congresso Psicanalítico Internacional, que será realizado pela primeira vez no Brasil, entre os dias 28 e 31 deste mês.

ISTOÉ – Sua eleição demonstra um reconhecimento à psicanálise brasileira?
Eizirik
– Dos 11 mil psicanalistas filiados à IPA, mil são brasileiros. Muitos
conceitos nascidos aqui despertam curiosidade lá fora. Mas ainda predomina
no País o modelo importador: convidamos pessoas para falar de suas teorias.
Está na hora de isso mudar.

ISTOÉ – Qual a perspectiva da psicanálise na era das terapias breves
(focadas em um determinado aspecto e com duração curta)?
Eizirik
– Muitos psicanalistas reconhecem que várias dessas terapias
representaram progresso, na medida em que se colocam como aliadas no tratamento de determinados sintomas. Mas, se o problema estiver relacionado a conflitos infantis, a sofrimentos que vêm da relação com a família ou à forma de
se sentir no mundo, terapias breves não serão suficientes.

ISTOÉ – Há uma campanha para que a psicanálise seja bancada
por planos de saúde?
Eizirik
– No Brasil, os planos pagam até 12 sessões de psicoterapia. É o
mesmo que nada para a psicanálise. O alto custo do tratamento impede o
acesso de muitas pessoas.

ISTOÉ – A comprovação de eficácia seria uma exigência?
Eizirik
– Sim. Mas há muitos estudos que evidenciam a efetividade da psicanálise. Outro critério garante sua eficácia com base na experiência clínica de 100 anos. A psicanálise não é uma conversa, mas uma exploração do psiquismo do paciente com o objetivo de provocar melhora.

ISTOÉ – Quais são os motivos mais freqüentes de quem busca análise?
Eizirik
– Dificuldades de relacionamento e profissionais, problemas na busca do prazer, na identidade sexual, nas relações com pais, filhos e irmãos. São questões que se repetem em qualquer grande centro urbano. Não por acaso, são sintomas relacionados à convivência com o outro.

ISTOÉ – Isso é um incentivo para se viver só?
Eizirik
– O fato de mais pessoas viverem sós não significa que elas estejam preparadas para isso. Há hoje um bombardeio de estímulos que contribui para a massificação. Tudo é muito global e as pessoas são muito requisitadas. Valorizam-se o espetáculo e a cultura do narcisismo em detrimento do silêncio, da reflexão.

ISTOÉ – A depressão é um dos maiores problemas psíquicos atuais?
Eizirik
– Ela é cada vez mais presente. No entanto, temos de ter o cuidado de
não diagnosticá-la com exagero. De tempos em tempos, certos diagnósticos
tornam-se predominantes. Neste momento, é o transtorno afetivo bipolar
(alternância entre depressão e mania). Às vezes pode ser um problema de personalidade ou alguma outra doença.

ISTOÉ – Quais os efeitos da crise política?
Eizirik
– Vivemos um momento de desilusão. Havia muita esperança nesse
governo, que veio com uma proposta de moralização política. Hoje, o maior risco
é de que a democracia saia desacreditada. Já ouvi pessoas dizendo ser necessária uma ditadura de curta duração. Ora, a ditadura é pior do que qualquer forma de regime democrático. Mas é compreensível que estejamos de luto.

ISTOÉ – Qual a causa desse luto?
Eizirik
– Luto é a reação à perda de uma pessoa amada, uma causa, uma ideologia. Vivemos o luto por uma ilusão perdida. Esperava-se um sopro renovador, que lamentavelmente não aconteceu. A identificação popular com Lula garante que as reações sejam mais de pena do que de raiva. Mesmo entre aqueles que não são petistas, há uma simpatia pessoal por ele, provavelmente por ser um brasileiro de origem humilde que deu certo.

ISTOÉ – Há um paralelo com a figura do pai na psicanálise?
Eizirik –
Sim. O governante é um tipo de pai, representa o ideal. Se ele comete
um deslize ético, surge uma confusão de valores: “E agora? Quem vou
seguir?” Quando se comportam dessa maneira, os políticos agridem os que depositaram neles sua confiança.