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Di Cavalcanti (1897-1976) foi um pintor que se dizia escritor e um escritor que se dizia pintor. Tornou-se mestre nas tintas, os textos brilharam menos – pela excelência de sua obra que o imortalizou no campo das artes plásticas (seus quadros chegam a valer R$ 2 milhões), o certo é que nem precisaria mesmo ter-se destacado em outra atividade. Mas o fato é que o carioca Di Cavalcanti escrevia e gostava de fazê-lo, e a partir do dia 20 de julho, no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, muitos de seus textos estarão expostos – ao lado, é claro, daquilo que ele fazia de melhor. Assim, também 49 de suas telas a óleo e 59 aquarelas e desenhos vão estar à mostra para o público. A escrita de Di Cavalcanti, convenhamos, era às vezes um pouco empolada e hermética, algo na linha que um Glauber Rocha ou um José Celso Martinez Corrêa assinariam de olhos fechados. Exemplo: “No Carnaval eu sempre senti em mim a presença de um demônio íncubo e que se desvendava como um monstro, feliz por suas travessuras inenarráveis.” Essa confissão de Di, que certa vez teve vetado o seu desejo de se candidatar a um assento na Academia Brasileira de Letras, foi pinçada de seu livro Viagem de minha vida, de 1955. A sua veia de escritor não se limitou a esse título e se confirmou novamente com Reminiscências líricas de um perfeito carioca, lançado em 1964. Leia-se: “A música carioca desmancha-se entre folhagens no bater das ondas na areia branca das praias.”

Foi lendo os escritos de Di Cavalcanti que a curadora Denise Mattar se inspirou para a montagem dessa exposição chamada Um perfeito carioca, a primeira dedicada ao artista nos últimos dez anos. A mostra ganha peso com 24 óleos inéditos, entre eles Meninas cariocas (1926) e Banhistas na praia (década de 30), mas seus textos vão certamente dividir a atenção – até pela novidade de estarem expostos e pouca gente saber que ele escrevia. Nem a atriz Tônia Carrero, que foi amiga de Di Cavalcanti a ponto de o artista retratá-la em diversos quadros (não se sabe bem ao certo o motivo, mas ele rasgou todos), conhecia essa faceta. E lembra-se: “O Di era a maior alegria, sempre disposto a dar risada.” Por que os seus quadros foram destruídos? Tônia diverte-se diante da pergunta de ISTOÉ: “Ele pintava e dizia: não adianta, você não é mulata.”

Di Cavalcanti era alegre, como diz Tônia, mas também era surpreendente e um pouco temperamental – às vezes cismava de não vender o seu trabalho para alguma pessoa, por mais que ela pudesse pagá-lo regiamente. Vale contar um fato pitoresco ocorrido em 1963: o colecionador Gilberto Chateaubriand foi ao seu ateliê, apaixonou-se por uma tela que acabava de ser concluída e quis adquiri-la. Di não fez negócio e alegou que o quadro ainda precisava secar. Uma semana depois, quando Chateaubriand retornou, a tela tinha sido vendida. Havia outra no cavalete, chamada Mulheres de pescadores, e ele, conformado de ter levado o cano na primeira tela, tentou comprar essa segunda. Di não a vendeu, dando a mesma desculpa de que precisava secar. “Agora vai secar na minha casa”, disse o comprador, apanhando o quadro e levando-o embora.

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Carnaval

 

Gosto do povo. Música de povo.
Música sem alegria, Ingênua e triste…
Tudo é mau gosto
Tudo é péssimo gosto
Tudo é banal, banal maravilhoso
A gente come o Carnaval…
As estrelas são confetes dourados
Guardados nas costas de uma negra.
Serpentinas de ouro da aurora
Aturdir de sonho,
Aturdir de éter,
Os estandartes são monstros dourados
Que desceram do céu…

Poema do livro Viagem de minha vida