Nunca na história deste país se viu um governo democraticamente eleito tão empenhado em – para usar o jargão dos que enfrentaram o regime militar – “calar a voz das ruas”. Criados na esteira do acidente do Airbus da TAM, os movimentos de protesto contra a inépcia, a burocracia e a corrupção nem bem pisaram as avenidas de algumas capitais e foram fraudulentamente rotulados pelos políticos governistas como se fossem constituídos de almofadinhas burgueses usurpando a dor alheia. O que deveria ser a parte mais visível dessa insatisfação, uma campanha a ser veiculada por emissoras de televisão, sucumbiu em terra, antes de ir ao ar.

Em nenhum momento esses movimentos se declararam animosamente em oposição ao governo ou ao presidente Lula – ao contrário da seqüência “fora Sarney”, “fora Collor” e “fora FHC”, que contou sempre com a simpatia, quando não o engajamento, do PT e seus líderes. Não é porque as ruas foram ocupadas por empresários, tucanos ou uma classe média revoltada com o caos aéreo que a passeata é menos legítima. O direito de protestar nas avenidas não é propriedade, nem prerrogativa, do movimento estudantil, dos sindicatos de trabalhadores ou dos integrantes do MST.

O que impressionou nesse caso foi o voluntarismo com que o governo vestiu a carapuça, levando o presidente Lula a sua mais tradicional reação: quando as críticas alcançam as ruas, ele troca o palácio pelo palanque. É uma estratégia de risco. No palanque, o presidente volta a ser o velho líder operário que chegou lá, contra tudo e contra todos. Sai da esfera da política para uma área de mistificação adorativa. Ao repetir seguidamente a mesma estratégia, contudo, ele pode vir a descobrir que esse milagre da transformação talvez não dure para sempre.


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