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COERÇÃO
Para tentar conter o aumento dos crimes, a polícia
dá batidas constantes no Pelourinho

"Salvador está sitiada pelo medo, não fico sossegada enquanto os meus filhos não chegam em casa”, diz Kátia Alves. Esta é uma frase alarmante, mas se torna ainda mais representativa pelo fato de Kátia ser uma delegada de polícia, uma pessoa a quem ninguém se furtaria em pedir ajuda em um momento de terror causado pela violência urbana. Mas em Salvador, onde o número de homicídios cresceu assustadores 80% entre 2006 e 2009, até a delegada de polícia está acuada pela violência. “Os baianos não se sentem mais confortáveis para convidar ninguém para visitá-los. A violência está mexendo com a nossa autoestima”, diz ela, uma integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que acompanha no seu cotidiano profissional a violência crescente da capital baiana.

O medo que Kátia não faz a mínima questão de esconder é emblemático. Por conta da avassaladora explosão da criminalidade na cidade, Salvador está mudando. No morro ou no asfalto, a população vem alterando sua rotina para tentar fugir do perigo. Insegurança é um tema obrigatório nas rodas de conversa. As ruas têm ficado mais vazias ao cair da noite. Os que precisam ficar fora de casa até tarde procuram andar em grupos. Alguns bares e restaurantes viram o movimento cair depois que quadrilhas passaram a fazer arrastões. A alegria, a agitada vida noturna, as cores e os sons que sempre foram marcas registradas da mais africana das capitais brasileiras estão, aos poucos, dando lugar ao silêncio. E o problema não é uma exclusividade da cidade. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, 4.796 pessoas foram assassinadas no Estado em 2009 – 48,9% a mais do que em 2006. Junto com as mortes violentas crescem também os roubos, os sequestros relâmpagos e os crimes contra o patrimônio.

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O cotidiano de Carla Regina Costa Lima, 32 anos, é permeado por essas cenas de pavor e relatos de medo. “Tive de aprender a conviver com a violência. Já não me intimido quando vejo alguém armado”, conta. Filha de um engenheiro e de uma dona de casa, Carla mora sozinha numa área de classe média de Salvador. Todas as manhãs, deixa a segurança da guarita 24 horas e das cercas elétricas do condomínio e caminha até o bairro vizinho para trabalhar. Sobe o morro do Nordeste de Amaralina – um conjunto de favelas numa das regiões mais violentas da cidade – com desenvoltura. Carla é diretora de uma escola pública. Ao circular pelos “dois mundos”, ela testemunha as idiossincrasias da realidade urbana: pobreza e riqueza vivendo cada vez mais uma tensa relação.

A onda de crimes que assusta os soteropolitanos e os turistas chegou até as escolas. A que Carla dirige fechou o período noturno por falta de alunos. Outras quatro ou cinco, segundo ela, cerraram as portas integralmente. “Ouço histórias de violência todos os dias. Filho que apanhou da polícia, irmão que morreu por causa do tráfico, aluno vítima de bala perdida”, diz. “Outro dia, chamei a mãe de um menino que estava dando problema para perguntar sobre o pai dele. Soube que o biológico ficou viciado em crack e mora na rua e que o de criação está preso há quatro anos.”

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O medo está em toda parte. O irmão de Carla, um jovem analista de sistemas, já teve de entregar celular, MP4, dinheiro e documentos aos bandidos. Os pais de Carla foram assaltados no portão de casa, depois de sacarem R$ 7 mil. Carla fora roubada num estacionamento e quase assaltada dentro do próprio apartamento, quando vivia num prédio sem segurança 24 horas. “O bandido me prendeu no banheiro e perguntou quem eu era. Quando disse que era a diretora da escola, ele me liberou e foi embora. Deve ter me reconhecido.” Esse foi um dos motivos que levaram a educadora a mudar de endereço. “Os locais onde há grande contraste entre riqueza e pobreza tendem a ser mais violentos”, afirma o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo “Mapa da Violência – Anatomia dos Homicídios”, do Instituto Sangari.

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“Tive de aprender a conviver com a violência.
Já não me intimido quando vejo alguém armado”

Carla Regina Costa, professora

Salvador fechou o ano de 2009 com 57,8 homicídios para cada 100 mil habitantes – cinco vezes a taxa da capital paulista e quase o dobro da registrada na cidade do Rio de Janeiro. “A criminalidade vinha aumentando de 30% a 40%, em média, desde 2002”, afirma César Nunes, secretário da Segurança Pública da Bahia. “Mas, de 2008 para 2009, conseguimos reduzir alguns números, como os de roubo a bancos e a coletivos.” Essa não é a sensação da população. Em seu programa de rádio, o governador Jaques Wagner (PT) tem repetido o discurso de que vem aumentando o número de viaturas e do efetivo policial. O problema é que essas medidas têm sido insuficientes. “É preciso que a polícia seja mais bem treinada. Não basta trocar velhas viaturas por carros novos”, diz o deputado ACM Neto, do DEM. De uma forma ou de outra, todo baiano se vê envolvido pela violência. Suzana Varjão, coordenadora do Movimento Estado de Paz e autora do livro “Micropoderes, Macroviolências”, mergulhou nos estudos sobre a criminalidade quando uma colega de trabalho foi levada do Pelourinho, estuprada e assassinada. “O homem que a abordou era um estuprador contumaz. Ele já havia violentado várias mulheres negras na periferia, mas a polícia não foi atrás enquanto isso não aconteceu com uma moça de classe média”, indigna-se Suzana.

Não há unanimidade com relação às causas da crise no Estado. “Cerca de 80% dos homicídios e de toda a violência na Bahia decorrem da popularização do crack”, afirma Nunes. “Esse dado não tem embasamento, pois menos de 20% dos homicídios são elucidados”, diz o professor Eduardo Paes-Machado, do departamento de sociologia da Universidade Federal da Bahia. Kátia Alves, a delegada que, mesmo com a arma na cintura, se vê apavorada com o aumento dos crimes, também discorda do discurso oficial. “Um impacto de 80% na criminalidade só seria possível se chovesse crack”, diz ela, com a experiência de quem conhece o problema de perto.

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