Rodeado de telas do primitivo José Antônio da Silva, o fotógrafo e diretor Thomaz Farkas comenta, na calma de seu escritório paulistano, no bairro de Pinheiros, as 80 fotos de sua nova exposição – Brasil e brasileiros no olhar de Thomaz Farkas, em cartaz na Pinacoteca do Estado, a partir do sábado 9. Feitas entre 1969 e 1974, principalmente durante uma expedição por barco no rio Negro, as imagens deram origem a sua primeira mostra em cores, uma exuberância de vermelhos, amarelos e laranjas de dar inveja aos maiores fotógrafos coloristas. Para não dizer aos pintores fascinados pela luz tropical. O feito é explicado pelo uso do filme, o kodachrome, e pela hora escolhida, sempre as manhãs ou as tardes. Diante do retrato de um lenhador, enquadrado numa canoa com um machado em punho, Farkas, 80 anos, vai além das informações técnicas ou mesmo saudosistas: “Eu tive a felicidade de encontrar muitas pessoas cortando lenha no rio Negro, mas essa figura me interessou bastante. Ele tem um rosto muito brasileiro. Tenho inveja daquele cara. Inveja não, eu queria ser aquele cara – uma pessoa que vive no mato, um negócio forte, com aquela expressão.”

Farkas não lembra o nome do lenhador de camisa branca e calças arregaçadas, altivo em seu ofício. Assim como não recorda o do catador de castanhas, que carrega o cesto apoiado à testa – e dane-se a coluna –, sempre informado do preço das frutas pelo radinho de pilha. E ai de quem tentasse trapacear. Outro que se perdeu na multidão de rostos do passado foi o vendedor de laranjas e mangas, misturado aos foliões mascarados de um remoto Carnaval na rua Chile, em Salvador, figura de terno branco que parece saída daquela tela antropofágica de Tarsila do Amaral. O que importa o nome daquele Zé das frutas se uma biografia inteira está ali, escancarada, para quem quiser ver? “Ele parece que está com todo o Brasil em cima da cabeça”, afirma Farkas. “Sua camisa tem a gola vermelha, mas ele não é do PT”, ironiza. Algum desencanto com os descaminhos do governo? “Não”, afirma. “É que deixei de ser político. Já fui”, encerra o assunto.

Caravana – Foi no auge do pensamento de esquerda que Farkas criou a chamada Caravana Farkas, um coletivo de cineastas que incluía Geraldo Sarno, Maurice Capovilla e Eduardo Escorel, empenhada em revelar o Brasil profundo para o Sul maravilha. É dessa fase o curta Rastejador, que retrata o curioso trabalho dos “despistadores”, muito utilizados pelas volantes na época dos cangaceiros. “O rastejador é um cara que vive no meio do mato e estuda o rastro dos animais e de pessoas”, explica Farkas, que fotografou um deles bebendo água de uma espécie
de bromélia. “Ele conhecia a planta que guardava água. Cortava em cima e bebia o líquido.” A maior parte das fotos, contudo, foi feita durante a expedição ao rio Negro,
a convite do zoólogo e compositor Paulo Vanzolini, autor de Ronda. Farkas e Geraldo Sarno se juntaram a ele durante três semanas a bordo de um navio rebocador que puxava outro barco-laboratório. A idéia era fazer um filme de 40 minutos sobre
aquele pedaço de Brasil. “O Vanzolini foi caçar os bichinhos dele e a gente ia filmando”, conta Farkas. Esse documentário, infelizmente, não ficou pronto. Num acidente, o gelo que acondicionava os rolos numa caixa de isopor derreteu e danificou o material. Farkas só viu o acidente quando chegou em Salvador, justamente naquele Carnaval em que cruzou com o vendedor de frutas de terno branco. As fotos, que serão publicadas em livro, em agosto, pela Cosacnaif, sobreviveram. E contam por si toda a história.